Sexta-feira aqui em casa é dia sagrado — e não só no sentido religioso. É o dia em que a carne vermelha tira folga. Uma trégua para o estômago e um teste de criatividade para o cardápio. Comecei pela lancheira da minha filha, que ganhou pão de queijo — mineiramente ecumênico, agrada a todos os credos.
Peguei carona até o portão da escola onde trabalho. Mal pisei no pátio, já tinha missão me esperando: ser fiscal de prova de inglês. A vantagem é que nessas horas posso medir o progresso do meu Duolingo. São 368 dias de prática — o corujinha já devia mandar um diploma, ou pelo menos um café.
Depois veio a prova de geografia. Oriente Médio, desertos, religiões. Achei bonito o tema, mas me atrapalhei quando tentei lembrar o nome do deus de Israel. “É Jeová ou Javé?”, pensei. E decidi que, em caso de dúvida teológica, o melhor é o silêncio respeitoso.
O expediente terminou ao meio-dia, e a sensação foi de missão cumprida. Melhor ainda sabendo que segunda é feriado — uma notícia que desperta mais alegria que aumento de salário. Voltei de carona com um colega que ia almoçar no “Bifão do Panamá”, moro a uma quadra de lá. Fui junto, mas firme na fé da sexta sem carne. O cheiro da picanha tentou me converter, confesso.
O mestre de obras não apareceu de novo. Ontem, por falta de tempo; hoje, por acidente. Foi pro hospital, coitado — a obra ficou em pausa e o destino, por enquanto, em obras também.
À tarde, levei os filhos à escola de música. À noite, o Sarau — programa cultural e familiar, uma mistura de palco, nervos e orgulho paterno. Eles cantaram “É preciso saber viver” e eu entrei como declamador, com um poema sobre crianças e educação musical. Fui aplaudido — talvez por educação, mas aplaudido.
De volta pra casa, troquei o poeta pelo confeiteiro. Bolo de chocolate com morango, encomenda para uma pizzaria. Sim, um bolo numa pizzaria — o Brasil tem dessas combinações improváveis que sempre dão certo.
E assim terminou a sexta: sem carne, mas com versos, música e chocolate. Uma dieta balanceada de alma e glicose.