Por que será que tenho memórias tão pontuais? Outro dia me veio à cabeça uma cena de 1973. Eu, minha mãe e meus irmãos em São Paulo. Andávamos muito pelas ruas movimentadas — e como andávamos! No fim do dia, as pernas pediam arrego. As ruas eram perigosas, cheias de carros apressados, e nós, pequenos, grudávamos nas mãos da mãe como se fossem cordas de salvação.
Em uma dessas travessias, aconteceu algo que ficou guardado até hoje — e não sei bem por quê. Íamos atravessar, distraídos, e um fusca que vinha em nossa direção. O motorista, longe de se irritar, parou e fez sinal para que passássemos. Que gentileza! Um gesto simples, mas que ficou na minha memória como se fosse uma cena de filme.
Curioso é que o gosto do refrigerante Crush e da coxinha de frango — aquela com um ossinho espetado — não ficaram com o mesmo destaque. E olha que foram muitas coxinhas e muitos Crush. Talvez seja isso: o que marca a gente não é a quantidade, é o instante.
Lembro que, quando voltamos de São Paulo, entrei na escola. Pouco tempo depois, o edifício Joelma pegou fogo. A tragédia tomou conta do noticiário, e em casa todos acompanhávamos pelo rádio, em silêncio, tentando entender o que o mundo queria nos dizer.
E eu sigo aqui, décadas depois, me perguntando: por que certas lembranças se agarram na gente, e outras — até mais saborosas — simplesmente evaporam?