Minha memória (ol)afetiva

Nunca tive a intenção de lembrar dos afetos por meio do olfato, acho que alguns sabores são eternos, assim como os momentos que duraram o tempo necessários para se tornarem assim.

O que te faz se sentir dominante de uma situação? O controle dela ou o descontrole de si mesmo? Ou o sentimento de domínio respaldado em submissão?

Era uma padaria que além dos pães e mortadelas tinha um balcão refrigerado onde se expunha alguns frascos do recém-chegado ao mercado, Yakut. Um bojudo vermelho em listrado tubo com porções em mL que um só não satisfazia. A vontade era de fazer descer a prateleira e sentar na escadaria da frente do estabelecimento e sorver aquele néctar bem-vindo ao paladar. O deguste era mental e ficou gravado na memória. Os recursos restritos otimizavam o sabor.

Situação posta de noite chuvosa em intervalo de mangas. O tempo suficiente para a caminhada apressada do centro ao planalto. Saíra da academia de Taekwondo com seu quimono enrolado, molhado pelo suor dos esforços. Caminhada apressada para um comércio com horas. Ofegante encontrava o tubinho vermelho. Seria o sabor o atrativo maior?

Hoje o que se preserva sem nenhuma mudança é o gosto impregnado em algum lóbulo cerebral. Passados tantos anos e a viagem ocorre. Teria ele nem vinte anos, hoje cinquenta e sete, e o pãozinho está fresco na padaria da América.

No balcão atendia em rodízio ingrato: a Mãe dela, o pai dela e ela, às vezes o irmão dela, só não mais pela torcida em encontrá-la.

Os trocados sobrados eram o suficiente para uma compra unitária. Não disfarçava o intento e por isso a atendente minguava. A simpatia era descartada pelo sorriso espontâneo e seus cabelos cacheados. Não se dizia palavras de amor ou afetos à mais, bem que oportunidade não faltava na pergunta emitida: algo mais? Não que seja vendido, mas se fosse possível um par formar contigo.

O malogrado consumo teve que ser interrompido, um pouco pelas finanças outro pela ausência da atendente. Quando a velha se posicionava atrás do balcão a viagem não tinha parada. Só restava saudades.

A desnutrição foi causada pelo não consumo daqueles lactobacilos e pelo descaso com o pretendente. A velha queria, e achava que poderia, encontrar coisa melhor. O que ela queria ele não teria.

Ficou com as lembranças de ocultos momentos. O sabor permanece e a memória agradece!

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