4 – BOM ENGOV PRA VOCE TAMBÉM

A saga de um farmacêutico é contínua, e o balcão se transforma em palco para viver mais uma das muitas de suas peripécias juntamente com as de seus clientes. Desta vez, um cachaceiro inveterado, um pouco envergonhado, depois de muitos volteios e se vendo em uma situação adequada em que a movimentação da clientela havia diminuído, se a próxima do farmacêutico e pergunta se este tinha um tempinho para responder a uma dúvida, mas só que precisava ser uma conversa em particular. Ele teria que perguntar uma coisa que não ficaria bem na presença de outras pessoas. O atribulado atendente da farmácia logo se prontificou.

O cliente lhe disse que precisava perguntar-lhe algo sobre o Engov, um medicamento usado para evitar ressaca. Se fosse sobre a posologia do remédio a resposta seria: “que é bem simples, basta tomar um antes de começar a bebedeira e outro quando “passar a régua”. Se fosse sobre a sua composição seria “que ele tem compostos com ação analgésica, antiácida, anti-inflamatória e antiemética, com a função de reduzir os efeitos da alta produção de ácido estomacal, provocada pela ingestão de álcool e prepara o organismo para aliviar a dor de cabeça resultado de uma bela ressaca”.

Um medicamento com todo este arsenal deixaria o organismo preparado para aliviar a sintomatologia provocada pelo excesso de ingestão de álcool, que geralmente aparece no “day after”.

Estas coisas o cliente até tinha conhecimento, pois era um cachaceiro inveterado, e por isso era mais um fã do Engov. Se tomasse conforme a posologia recomendava, era batata. Podia “virar o caneco” que na manhã seguinte estava lá “inteirasso”, pronto e disposto para mais um dia de trabalho, tudo graças ao santo remédio, que nunca deixava faltar na caixinha de remédios guardada em cima da geladeira.

Ele era um senhor em meia idade, solteiro, funcionário bem-sucedido e bem remunerado. Era visto na noite frequentando os mais badalados bares da cidade. Criou renome de bom partido, mas sempre se deixou ser visto em companhia diversificada. Um dia com as mais cobiçadas, em outros entre os mais desejados. Tudo aparentemente feito como uma demonstração de vínculo afetivo no padrão “amigo”. Evitava, e quase sempre nuca acontecia, companhia fixa. Isso rotulava-o como bem relacionado. O único problema era com o Engov, coisa que ele estava querendo esclarecer com o farmacêutico.

Se fosse sobre os efeitos colaterais, o farmacêutico não tinha conhecimento, pois até onde sabia nenhum cliente havia o procurado para falar que o tal do Engov não valia nada, muito pelo contrário, quando voltavam era para comprar mais, por que o danado era bom mesmo!

O cliente foi deixando de lero-lero e foi direto à pergunta, feita da forma mais criteriosa possível e na maior discrição: “É Engov que se usa para não deixar as fezes aquecidas depois de tomar whisky na noite anterior?”, ou seja o cliente estava com um problema e ouviu dizer que se tomasse Engov ele seria resolvido, seria mesmo verdade?

Que o uso frequente de bebidas alcoólicas pode levar a situações de abuso e dependência química isso tudo mundo já sabe ou deveria saber. Achar que se os efeitos do uso do álcool demoravam aparecer, ou ficavam amenizados, significavam que o organismo estava se acostumando à substância, ou seja, quando estamos ficando mais fortes para com a bebida, ou mais tolerantes, isso quer dizer que já nos adaptamos a ela. Isso é uma péssima notícia, e uma enorme desvantagem. Além da preocupação com a dependência, temos ainda os danos que o uso frequente de álcool causa aos órgãos internos. Os mais vulneráveis são: cérebro, coração, fígado, estômago e rins

Aquecer as fezes na manhã seguinte após “encher a cara” com whisky era novidade no santo confessionário do balcão da farmácia para aquele dedicado dispensador de medicamento. Imaginou a Escócia toda e o seu entorno consumindo Engov para amenizar este picante efeito colateral do prazeroso “On the rocks”. O produto com certeza seria campeão em vendas, e em dólares.

O abrasileirado “pleonasmado” Uísque Escocês é um destilado envelhecido em barris, com teor alcoólica entre 38 e 54%. O aparaguaiado além de, com certeza, aquecer as fezes, também da dor de cabeça ou o que vier primeiro.

Aquecer as fezes pela ingestão era uma a novidade, o que não era, era a metodologia de aferimento. O leitor já pode até imaginar o procedimento. O farmacêutico já ouvira falar sobre ingestão de cerveja Antártica, mas não era bem as fezes que se sentia aquecida no outro dia, mas pela nobreza do whisky teve que repensar seus conceitos. O farmacêutico querendo formar maior juízo antes de emitir o parecer ou ganhar tempo para isto pensou em perguntar se tinha sido com gelo ou sem gelo.

Na verdade, o cliente ficou esperando a resposta ao seu questionamento confiando na discrição do balconista e conforme fosse não iria comprar nada, continuaria tomando uísque e soltando fumaça e bosta quente pelas entranhas ou fezes aquecidas como querem os mais recatados.

O farmacêutico quis saber detalhes da sintomatologia, então interrogou com a exclamação do cliente e teve como resposta a confirmação e a reclamação do incômodo. Se tomava sempre acompanhado de alguém e se a ocorrência vinha acompanhada de perda de memória, também foi questionado. E daí se estivesse acompanhado ou só, isso não era da conta do farmacêutico. O que era da conta do atendente era se outras pessoas do meio também reclamavam da ardência ou só ele, teve coragem, de reparar.

O cliente quis saber do balconista se ele era apreciador de uma “dosezinha” de um envelhecido ou se aceitava experimentar. Disse ainda que não se fizesse de rogado quando resolvesse era só falar, ele passava sempre por lá. O problema para o farmacêutico era ter que ir trabalhar no outro dia com os sintomas descritos. Preferia mil vezes dar uma bicada em sua cachacinha, que era bem mais acessível, que aquelas coisas de rico e elegantes, mas que ele ainda não tinha reparado a elevação da temperatura na porção terminal do tubo digestivo.

O farmacêutico podia lhe dizer com certeza que não existia nenhum vínculo entre Engov e resfriamento de fezes. Que nunca ouviu nada sobre o assunto. Acreditava que quem usava para este fim não se expunha. Cientificamente nada justifica.

O cliente quis dar um credito ao “ouvi falar” e levou um envelope. Experimentaria qualquer coisa para se livrar daquele incomodo, quem sabe dava certo. Experimentar parece que nunca foi problema daquele cliente.

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