Joseval era um rapaz trabalhador, casado, pai de família, cumpridor de suas obrigações e o que mais lhe caracterizava, era partidário do patrão. Seja lá qual fosse o assunto enveredado, estava com ele até a morte, podia ele, o patrão, nem ter razão, mas um corinho do saco ele puxava, não perdia oportunidade. Tinha com este uma dívida de gratidão. Fora recolhido para trabalhar como funcionário depois de muito tempo vendendo jornais na rua do estabelecimento comercial que viria a ser seu primeiro emprego com carteira assinada. O patrão lhe ensinou tudo, ou quase tudo, sobre o negócio. Começou fazendo faxina.
De carteira assinada, já no primeiro mês comunicara seu casamento, para surpresa do patrão, pois até onde este sabia nem namorado o aplicado funcionário tinha. Apesar da idade, há pouco deixara de ser “de menor”, tomara a decisão apoiado pela família e o consentimento dos pais da noiva. Casara-se para, provisoriamente, continuar morando na casa de seus pais, em um dos quartos da casa, até que o puxadinho fosse finalizado. Fizeram as adaptações necessárias em tudo o que foi preciso e, pelo que parecia, as coisas andavam muito bem.
Para esta nova vida as mudanças foram radicais. “Comparecia” todas as noites, de domingo a sexta-feira, pelo menos uma vez, sendo que no sábado o comparecimento era duplicado. Este dia sim era o sagrado. Se gabava em conversas com os amigos, nas quais tentava controlar a sonolência, resultado de mais uma noitada de amor com a esposa.
Dentre os amigos estava o farmacêutico, seu conhecido desde outros tempos, os que ele vendia jornais. Sempre que saia para fazer algum trabalho externo, nunca deixava de dar uma passadinha na farmácia, que ficava bem próximo do seu serviço, para botar em dia a conversa, tomar um cafezinho e refolhar o jornal do dia, que ficava a disposição da clientela em um canto do balcão do estabelecimento.
Um dos assuntos que ele mais gostava de conversar eram as confidencias da família do patrão, só para dar e provocar risadas. O estabelecimento comercial onde trabalhava ficava anexo à residência do patrão e muitas vezes a distinção dos ambientes era negligenciado, extrapolando a intimidade da família, a princípio, com os funcionários e a clientela.
Ainda falando sobre suas atividades conjugais, nas quais se enaltecia, ele não deixava faltar o remédio de “invitá”. Sabe como é “bobeou a gente pimba” dizia em alto e bom som, e se não “invitá”, daqui a pouco tem uma escadinha lá em casa. Com essa “meteção” toda e um descuido da patroa em tomar o remédio, a filharada não tardou, e foi logo, como ele previa, uma escadinha. Pelo visto a casa devia ser grande para caber tanta gente.
Joseval aumentava sua singularidade. Começou trabalhar cedo, casou-se cedo e foi pai também muito cedo, se é que se tem idade certa para isso. Sua ultima atividade, de ser pai, tomou-lhe a maior parte do tempo e este envolvimento o deixou sem novas histórias para puxar assunto com o farmacêutico, seu cliente e seu amigo, além de confidente.
Um dia chegou ao balcão da farmácia visivelmente transtornado.
-Ô Joseval, o que aconeceu?
-Peguei doença de rua!
Que fôlego pensou o balconista, conhecedor das peripécias do companheiro de confidencias. Além da mulher ainda tem gás para ir gastar para a rua.
– Desgraçada! Exclamou Joseval, se remoendo de raiva da agora desgraçada, filha de uma puta, que dias antes teria sido tratada de gostosa, delícia, xuxuzinho. –Isso é bom para aprender! Se penitenciava desesperadamente. –Pô! A Fulaninha, a empregada do patrão, quem poderia desconfiar que ela tivesse alguma coisa? Me dá um remédio ai!.
– Mas o que é que você tem?
– Meu cacete está coçando e não para de purgar. Olha ai já até molhou minha cueca.
-Você comeu semana passada e está gozando até agora! Disse farmacêutico em tom de ironia, para não perder a piada. -Isso é gonorreia! Apresentou o diagnóstico. Santa gonorreia nos áureos tempos da negligência à famigerada camisinha.
-Toma esse aqui! Lhe disse o farmacêutico abrindo o frasco e lhe oferecendo um copo com água. – Daqui a pouco você está bom! E olha, nada de álcool, ovo frito e nem carne de porco. -Ah! Estava me esquecendo, nada de brincar com a patroa por uns três dias, no mínimo! Recomendou o farmacêutico.
-Putz! E agora? A “muié” vai querer… que é que eu faço? Eu nunca negei!
-Encapa o bicho.
-Eu nunca encapei o bicho. Se eu fizer isso seria a maior bandeira. Ela vai querer saber qual o motivo da gracinha, ela já é até operada!
-Abre o jogo e tenta se explicar. Vai ser muito melhor para ela. Inventa uma desculpa, que tal: “- Olha só o que está me acontecendo… que será que é isso?”, dá uma de Migué! Acho que peguei no vaso lá da rodoviária, quando eu fui por estes dias, ou outra mais esfarrapada.
-Desse jeito vai acabar tudo, tô ferrado. Que deslize!
Seguiu contando que está tinha sido a única vez, depois de casado, que ele pulava cerca. Primeira e última enfatizava, só desejando se livrar daquela enrascada. Isto para ele seria imperdoável. Ele jamais perdoaria, ainda mais se trouxesse doença.
Refletindo melhor teria que mirabolar uma historinha para pelo menos passar esta fase, depois o remédio faria efeito e ele estaria limpo, e juraria por Deus que nunca mais, poderia ser o chuchuzinho que fosse.
Iria lavar a própria roupa dizendo que seria por causa de uma arrastada de pneu bem no rego da bunda. Teria uma dor de cabeça terrível. Deitaria mais tarde quando já não estivesse mais aguentando ficar acordado. Ficaria no seu canto imóvel, inclusive roncando baixinho, para não ser incomodado. No outro dia bem cedo, antes da patroa lhe procurar no lugar ao lado, ele já estaria em pé, pronto para sair ao trabalho. Repetiria por quanto tempo mesmo? O ideal seria por uns sete dias, mas nesse caso a idealidade iria para as “cucuias”. Teria uma só certeza, naquele dia não haveria nada, Deus há de me ajudar. Pelo jeito a parada iria ser dura lá na casa do Joseval. Ele teria que encarar a realidade, que tristeza.
Passados algum tempo…
Sem menos se esperar, aparece o Joseval lá pelo balcão da farmácia. Andou meio sumido, desaparecido. O farmacêutico quis saber do desfecho da história.
-Não falei nada, nadinha. Fiquei na minha, quieto. Quando ela veio para o meu lado, daquele jeito que só eu seu o que ela tá querendo, não aguentei! Passei fogo.
O farmacêutico abismado com o desfecho, foi chamando o cliente amigo de irresponsável, egoísta, desumano. Aonde já se viu, ele ter arquitetado tudo e na hora “H” ignorar a situação. Até parecia brincadeira. Gonorreia é coisa séria, e transmissível, como o Joseval pode perceber.
O que aconteceria com a senhora sua esposa, coitada, a qualquer momento apareceria com os mesmos sintomas. Choraria da má sorte de ser mulher e por um descuido estaria naquela situação. Era comum achar que calcinha estendida no varal sem as devidas precauções eram responsáveis por aqueles corrimentos, acompanhados de intensa coceira, tão comum entre as mulheres, que poucas perderiam tempo achando que que além de corrimento e coceira possuíam um par de chifres. Tratamento para estes casos começava com abstinência, depois uns banhos de assento com chá de terramicina e aplicação noturna daquele milagroso creme vaginal, que mais servia para reforçar a recomendação de abstinência.
Como será que andava a patroa do Joseval? Quis saber o farmacêutico, pois no mínimo ele esperaria pela presença dela no estabelecimento. O Joseval comprava na caderneta. Com o passar do tempo as visitas do cliente diminuíram. Por onde andaria o Joseval?
Andava meio cabisbaixo, pensativo e desatento. A patroa não lhe reclamara de nada. O que teria acontecido? Seria ela uma mulher imune a Gonorreia? Teria se convencido de que, se os sintomas aparecessem, o que ela tinha era coisa de mulher? Uma coisa Joseval notou, desconfiou e comprovou: as procuras diminuíram. Como estava no propósito de ficar quieto por alguns dias, demorou se dar conta da situação. Teria ele que perguntar se estava tudo bem com ela? Se por acaso não tinha surgido um corrimentozinho por estes dias? E aguardar pela resposta que ele já sabia qual era e então lhe diria que aquilo era culpa dele. Que ele foi fraco, que caiu em tentação, que traiu, que se ferrou e ferrara com ela também, mas que nunca mais aconteceria isso. Guardou o silêncio. Ele pelo menos estava sarado. Não ter comido mais ovo frito nem aquela pururuca tinha valido a pena.
A patroa passou a ir para a cama mais tarde, e quando ia desmoronava e virava de lado. Pulava cedo, acompanhando o Joseval. Mais de uma vez deixou as crianças aos cuidados da sogra e saiu para resolver uns problemas, mas não informou quais eram. Saia muda e voltava calada.
Outro dia no balcão o Joseval reclamava da má sorte. O ocorrido tinha sido um desafio. Ela, a empregada do patrão, apostou se ele era capaz de uma ousadia. Como o cabra tinha sangue nortista correndo nas veias, não fugiu da raia. A oportunidade surgiu por um descuido do patrão, em um momento de poucos clientes na loja. Ele deu a escapadinha prometida, e longe dos olhares alheios botou tudo o que tinha para dentro antes de perder a aposta. O que ele ganharia pela ousadia? Uma parte já foi relatada as outra ainda estariam embrulhadinhas. Ela mesmo o alertara, no outro dia, sobre um corrimento que ela possuía e que ele poderia também estar. Joseval sentiu-se traído. Como ela teve coragem de deixar as coisas acontecerem e só depois o alertar. Se soubesse nem teria apostado nada.
Até que ela tenha relatado o ocorrido, sobre o corrimento, Josevaldo nem tinha sentido nada. Depois, foi só ela ter tocado no assunto e a maionese desandou. Começou a sentir umas coisas estranhas e na primeira oportunidade procurou o farmacêutico.
Uma mulher sair dizendo que está com corrimento não é uma coisa muito comum de se encontrar, a não ser que o assunto seja de interesse, como no caso do Joseval, o ganhador da aposta. O corrimento vaginal pode ser algo completamente normal ou um sinal de doença, o infeliz do Joseval teria 50% de chances de ter se envolvido em um tremendo mal entendido. Teria colocado seu relacionamento em cheque, apanhado da patroa e ter sido mandado embora do emprego. Com todo este alvoroço, alguém contaria ao patrão o local e as circunstâncias do ocorrido.
O corrimento, anormal, do Joseval, durou bem menos tempo do que o esperado para o remédio começar a fazer efeito. Quando saiu da farmácia já estava bem aliviado da coceira. Possivelmente ele tenha se enquadrado nos 50% de corrimento vaginal normal. Se levou alguma coisa para casa, foi um corrimento formado pela combinação de células mortas da vagina, bactérias naturais da flora vaginal da empregada e secreção de muco com a função é umedecer, lubrificar e manter a vagina limpa, que inclusive dificulta o surgimento de infecções. Que sorte Joseval, pelo desenrolar dos fatos e ninguém mais reclamar da sintomatologia a coisa era normal, só aumentado perto do período fértil da mulher.
-Fudeu Joseval!