5 – EXAMINANDO A GAÚCHA

A Gaúcha era uma senhora, trabalhadora, autônoma, com escritório a céu aberto, pegava no duro, tinha boa clientela e fazia um corpo-a-corpo com estes depois de combinar o preço. Apesar de muitos ainda lhe escorraçarem com seus argumentos moralistas, a gaúcha tinha, o que falta a muitos outros prestadores de serviços, incluindo os do seu próprio ramo, que era a satisfação do cliente acima de tudo.

Como citado acima a prestativa senhora possuía vasta clientela. Um deles era um senhor que periodicamente usufruía de seus préstimos. Este vinha de longe, morava em uma propriedade rural, e quando não vinha a serviço vinha a passeio e sempre que por aqui aparecia, reservava um tempinho para se encontrar com a Gaúcha. Outro lugar que este senhor não deixava de visitar era a farmácia onde trabalhava, como balconista, um de seus sobrinhos. Ali ele supria as necessidades da chácara e colocava em dia as notícias da família. Quando o tio fazia o “check in list” para seu retorno à chácara onde morava, um deles era dito aos suspiros “Já fui ver a Gaúcha!”. Depois ministrava a benção do sobrinho embarcava no Expresso Queiroz partindo em direção das bandas do rio Brilhante.

O farmacêutico teve oportunidade de conhecer a gaúcha, mas sem apresentações, coisa desnecessária porque as descrições feitas pelo tio eram as melhores possíveis. Como seu local de atendimento era em uma calçada, qualquer um que passasse pelas imediações a veria trabalhando. Em uma oportunidade, ao passar pelo local junto com seu irmão, fora apontada por este, que já a conhecia só não sabia se de vista: “Aquela é a Gaúcha, a namorada do tio”. Baixa estatura, gorda, nariguda, cabelos lisos, longos, castanhos, maquiagem carregada e metida em um jeans alguns números menores que seu manequim. Com esta descrição, em um reencontro ela seria inconfundível.

Naquele dia estava o tranquilo farmacêutico na sua sina penosa de dispensar medicamentos, recomendar posologias, negociar descontos e empurrar uns “BOzinhos”… quando a sua frente surge uma cliente de inconfundível semblante, era a Gaúcha!

Ela viera acompanhada, e pelo conhecimento da causa poderia supor o farmacêutico ser um de seus clientes.

– Bah Tchê, queria falar com o farmacêutico! Falou a gaúcha com ar imponente como se fosse uma ordem. Ela causou no farmacêutico, que só a conhecia pelo histórico, pelo menos na primeira impressão a sensação de ser autoritária.

– Pois não, em que posso ajudar? Respondeu o solicito atendente de balcão se auto intitulando farmacêutico. Naquela época o sujeito estudado, formado em um curso de farmácia assinava o alvará do estabelecimento e ia cuidar de outros afazeres deixando o comércio sob responsabilidade dos proprietários e/ou dos balconistas.

– Mas Bah, é o senhor mesmo… tão novinho! Estas palavras fizeram com que o novinho se sentisse o máximo. Aquilo foi mais que um elogio, ainda mais sendo ele conhecedor da pessoa e louco para tietá-la.

-Sabe quem sou eu? Sobrinho do fulano! Aquele que vem de longe só para te encontrar. Teria tido vontade de lhe dizer.

A Gaúcha até que poderia tentar se lembrar de alguém específico, mas dentro do universo de possibilidades desistiria

– Ah! Obrigado. São seus olhos Gaúcha! Teria pensado um pouco acima do volume o descomposturado novinho.

– Bah, tenho que falar uma coisa com o senhor, mas tem que ser em particular! Sem perdas de tempo a Gaúcha foi lhe dizendo ao que veio.

– Pode ser aqui na salinha de aplicações? Falando isto o balconista novinho lhe apontou para o cubículo reservado anexo ao balcão de atendimento.

E assim, entraram os três no cubículo, o balconista, a Gaúcha e o seu acompanhante.

Dentro da salinha a conversa se mostrou menos amistosa.

– Eu transei com esta piranha e peguei doença de rua! Se exaltou o acompanhante. Estou com o cacete “purgando” direto desde o outro dia que eu a encontrei. Eu vim aqui para ela me pagar o tratamento!

Que bacana! Satisfação do cliente durante e depois do atendimento. Este devia ser o lema da Gaúcha. Será que presava tanto a clientela? Ou o preço compensava? pensou o farmacêutico.

– Bah tchê, eu já disse para ele que não foi de mim que pegou. Ele deve ter pego de outra! Defendeu-se a Gaúcha.

– Não vem querer me enganar, foi da senhora sim! Falou o desesperado cliente, desta feita com dedo em riste.

Um caso destes no Procon… mas esta história aconteceu bem antes dos consumidores terem seus direitos reconhecidos, e que direitos! Nesse caso o cliente nem exigia o dinheiro de volta, só o tratamento.

– Mas bah tchê, eu quero provar que eu não tenho nenhum corrimento, nem nada, por isso vim aqui para o senhor me examinar e dizer para ele que não foi de mim que ele pegou. Não era isso que agente combinou? Se o farmacêutico me examinar e achar qualquer coisa… aí eu pago os remédios, se não… quero mais é ir embora e nunca mais quero te ver. Disse a Gaúcha se lamentando da má sorte de ter atendido um cliente tão exigente. E então? Podemos fazer o exame? Eu lhe mostro a calcinha que estou usando e ela vai estar como se eu tivesse tirado agora mesmo da gaveta, sequinha!

O farmacêutico novinho achou aquela história um tanto quanto inusitada. Era a primeira vez que lhe ocorria algo assim, ou seja, alguém querendo lhe mostrar a calcinha de uma coisa “saradinha”. Se existiu uma outra oportunidade era para ele ver a cor do corrimento extravasado e lhe perguntar o que seria bom para aquilo. No caso em questão tudo estaria em perfeito estado e pronto para uso.

Vale lembrar que a cliente possuía todos os quesitos necessários para ser desejada por quem conhecesse sua história. Seria boa de cama. Ter uma coisinha atrativa e que inclusive seu tio que vinha de longe a procurava, atestava as qualidades da “perseguida”.

Que privilégio teria o farmacêutico ao pelo menos ver o fruto da sanha desvairada que muitos, além do tio, tinham que pagar por aquilo.

-Pode ser, disse o balconista. Eu vou examinar e já emito o diagnóstico, vamos ao que convém.

Como exigência da Gaúcha só ficariam no cubículo ela e o farmacêutico. Isso era mais que lógico pois se não for por esta causa quem quiser ver a calcinha dela que se dignasse combinar o preço e pagar antecipado. E assim se procedeu ficando os dois a sós.

O farmacêutico achou que ninguém acreditaria naquela história em que ele, dentro do cubículo de aplicação de injeções da farmácia, veria a Gaúcha abaixar-lhe as calças para mostrar além da calcinha limpa a parte frontal da perseguida. Seria bravata demais.

Antes porém, a Gaúcha lhe puxou pelo braço e bem de perto se dirigiu ao farmacêutico.

-Olha aqui. Disse-lhe a Gaúcha com dedo em riste. Se você está pensando que eu vou lhe abaixar as calças de graça você está tremendamente enganado. E outra, eu não vou pagar porra nenhuma de tratamento para “clientezinho” vagabundo que acha que pode exigir estas coisas. Quero mais é que se foda! Você vai me ajudar e dizer para este filho de uma puta que eu não tenho nada e que por isso não tenho obrigação nenhuma de pagar tratamento de gonorreia para ninguém. Você está me entendendo?

O farmacêutico estava tentando se recuperar do banho de água fria que lhe acabaram de jogar na cabeça quando concordou intuitivamente. Também achava aquilo tudo um absurdo, ele sempre tendeu pelas minorias.

Num acesso de postura decente, desapontado com o malogro, mas esperançoso de que a Gaúcha tivesse uma consideração particular pela mãozinha que ele iria lhe dar, o farmacêutico disse ao cliente litigioso e reclamante de seus direitos que dela não havia sido, que estava tudo limpinho, conforme ela já havia adiantado. Não havia corrimento, inflamação e nem mal cheiro, muito pelo contrário.

Ao cliente restou o desapontamento, pois para ele existia uma certeza: A de que tinha sido dela a transmissão.

Para a Gaúcha restou o alívio por ter se livrado da fria em que se meteu. Agradeceu os préstimos do farmacêutico, perguntou quanto tinha sido o exame e como recebeu como resposta que não tinha sido nada, se disponibilizou para qualquer coisa que precisasse, bastando para isso lhe procurar no endereço que o farmacêutico sabia de cor.

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