Em outras ocasiões, no balcão da farmácia, aconteciam fatos que eram bem despudorados:
– Tem pomada de vaselina?
– Tem!
– Vou levar um tubo, quanto é?
– Sérios reais! Esta era a moeda corrente.
– É esta vaselina que se usa na vagina para facilitar a penetração? Perguntou a cliente, ao farmacêutico, que interrompeu o processo de embrulhamento do pequeno tubo, se colocando a pensar: “vaselina, vagina, penetração, …” e seu semblante foi tomado pela contemplação imaginativa da descrição do dito órgão genital feminino, vinculando-o à aquele rostinho angelical da cliente que de forma incisiva e por que não dizer, ingênua, quis obter uma resposta à queima roupa do jovem farmacêutico, ali mesmo, em público, sob os olhares e ouvidos por outros clientes do estabelecimento, que na oportunidade, contrariando a regra, estava lotado.
Ela talvez acreditasse na experiência do balconista, no atendimento a outras clientes ou no próprio manuseio do produto para consumo. No caso daquele farmacêutico que a atendera, contava a experiência no atendimento a outras, pois a segunda opção era para ser assinalado como NDA (não demostrado até agora).
A espera pela resposta pareceu eterna, mas está era bem clara:
-Sim! Respondeu o atendente balançando a cabeça afirmativamente, para que não restasse dúvidas. Era aquilo mesmo que a cliente estava procurando, seja lá para quem quer que fosse.
Outros lubrificantes afins até poderiam existir, mas a vaselina possuía a fama no mercado, pois carregava uma arraigada popularidade quando o assunto era lubrificação íntima. A utilização de manteiga para a mesma finalidade era só para os cinéfilos e especificamente aos fãs de Marlon brando em “O último tango em Paris”.
A cliente poderia estar comprando para outra pessoa, como para uma envergonhada amiga, por exemplo. Mas o rostinho angelical forçosamente levava a crer que era para consumo próprio.
Estaria o farmacêutico diante de um típico caso de desproporcionalidade. Ela além daquele rostinho, apresentava desenvolvimento corporal defasado, caso fosse uma moça de maior idade. Apresentava o que no jargão masculino é designado por tamanho “P”.
A aliança ressaltada no dedo médio da mão esquerda revelava tratar-se de uma senhora casada, e pelo visto recentemente, sem direito a “test driver”.
Caso fosse a destinatária do tubo de vaselina, a recém-casada, estava em plena lua de mel. Lembrando que estamos em uma época em que “test drive” não era possível nem em carro quem diria em satisfação sexual. Ela só foi descobrir o “pepino” depois da papelada pronta e assinada, com testemunhas e fotos.
As moças eram literalmente moças até o casamento, inclusive até depois dele como é o caso desta cliente que buscava, pelo que parece, desesperadamente uma forma de facilitar a consumação do seu casório com a ajuda do cremoso artefato.
– Uma amiga me disse para lubrificar com vaselina antes de manter relação. Meu marido não está conseguindo. Justificou-se a cliente. Eu não perguntei se era qualquer vaselina, continuou a cliente diante do estatelado balconista e outros atentos clientes que se transformaram em plateia, aguardando ansiosos os próximos lances.
Disse que já tinha visto um pote em casa, quando morava com os pais, mas estava em dúvida. O seu falecido pai usava para passar fiação elétrica. Ele era eletricista. Teria alguma diferença da que facilitava a condução de corrente elétrica? ou cada circuito tinha uma especificidade, daí os cuidados com o “curto”?
O farmacêutico disse que era a mesma, inclusive tem uma boa clientela de eletricistas que nunca dispensam um tubo, de vez em quando.
Depois disso descobriu o verdadeiro destino das toneladas de vaselina vendidas até aquele dia. A partir deste episódio teria outro olhar para os consumidores contumazes de vaselina, mas tratando-se de um produto versátil, vaselina era “multi”. Para se ter uma ideia, se usa para passar em espadas, quando se guarda na bainha e muitas vezes ao se ouvir “passar vaselina na espada” isso pode não representar que estão lubrificando o objeto metálico antônimo de cruz.
Se usa também como cosmético, para hidratar pele ressecada pelo frio. Em todos os casos, vaselina é sempre vaselina, não tem outra. Agora se o sentido for literal, ninguém segura!
Apesar da utilidade e de ser bastante escorregadia, a vaselina não é a melhor coisa para melhorar a lubrificação íntima. Para começar é uma substância à base de petróleo. Os lubrificantes à base de água, que pouco interferem na flora bacteriana, pH vaginal e na consistência do látex da camisinha ainda não tinham se popularizado. Inclusive nem se fazia campanhas para se usar camisinhas nas relações sexuais quanto menos para não se usar vaselina.
A verdade é que a cliente pagou pelo tubo, agradeceu ao balconista pelos esclarecimentos e saiu, deixando os funcionários do estabelecimento e a clientela com ares de expectativas:
-É hoje!