A clientela do estabelecimento era heterogênea. No tocante às preferências sexuais, eram classificadas por heteros e por homos. Atendia a todos, com as devidas distinções. Na época dos ocorridos os homos recebiam atenção maior, em função da delicadeza exigida. Dependendo da mercadoria adquirida a atenção ficava por conta da discrição.
Como o seguimento dos heteros e enrustidos formavam a grande massa na dispensação das mercadorias, as informações sobre posologia e conselhos sobre determinados assuntos eram atendidas de forma generalizada.
Na época não se tratavam por estes adjetivos. Homo e hetero são recentes. Só recebia alguma rotulagem os que não eram chegados na coisa.
“Aqui vocês tiram camisinha?” perguntou um tanto quanto ressabiado, o cliente que a pouco havia perguntado o preço de quaisquer duas coisas desnecessárias para ele naquele momento. Havia ganho tempo se desculpando e dizendo que só queria saber o preço e que depois viria comprar. Ele ainda permaneceu por ali examinando as prateleiras de perfumaria, sentindo o cheiro de um e de outro desodorante, a fragrância de algum creme, até que a farmácia se esvaziou e ele se voltou ao balconista e então perguntou se ali tiravam “camisinha”.
De onde seria? quis saber ingenuamente o atendente.
O cliente pôs-se a justificar a infelicidade de que tinha sido vítima. Disse ele que tudo estava indo tão bem até que o seu parceiro notou que estava faltando alguma coisa naquela relação. Aonde teria ido parar a sua camisinha, pôs-se a perguntar. Como da última vez que a viu estava com ela vestido, só deveria ter ficado nas entranhas. Não restava dúvida.
O farmacêutico se espantou com o inusitado. Estas coisas até podem acontecer. Às vezes a camisinha fura, escapa, aperta, fica enroscada, mas desaparecer sem deixar pista isso era novidade.
O cliente quis saber se poderiam resolver o problema. Tinha ido até lá porque o único pronto socorro da cidade ficava bem próximo e era lá que procuraria atendimento, mas quando viu que estava lotado e decidiu buscar outros recursos. Viu a farmácia e entrou controlando o desespero. Para se assegurar se teria atendimento perguntou alguns preços sentiu a fragrância de alguns cosméticos e como achou simpático e acessível o balconista, aguardou o momento certo para relatar o desespero.
“E quando tinha acontecido”, quis saber o farmacêutico, “a uma meia horinha se for muito” respondeu prontamente o depositário do preservativo. Ele estava desesperado. Além dele, do parceiro e agora o farmacêutico, ninguém mais sabia. E não saberia se dependesse do farmacêutico. Discrição era um de seus sobrenomes. Talvez algum dia venha a revelar esta história, mas preservando nomes, em um livro contendo suas memórias.
“O senhor não tem uma pinça?” sugeria o cliente, fazendo supor que estaria disposto a correr riscos para se livrar do desaparecido.
Se tinha acontecido a pouco, onde estaria o desastrado parceiro, prosseguia o atendente de balcão em seu inquérito. Parece que o problema era só de uma das partes?
Disse que o escorraçou, que o xingou de tudo que era nome, que o mandou a puta que o pariu, que pediu que desaparecesse.
“Dá um jeito de me livrar desta” entrecortava as respostas ao farmacêutico com suas súplicas, em acessos de impaciências, que o fazia, por alguns instantes, roer as unhas de nervosismo.
O farmacêutico lhe disse que o que ele poderia fazer era vender um laxante. Que ele o levasse, tomasse em casa e aguardasse o efeito por lá. Ele ia precisar de uma privada privativa. “O senhor vai ter uma dor de barriga daquelas bem ferozes.”
“Em quanto tempo faz efeito?” perguntou como quem estivesse condicionando o uso. “Será que sai?” fez outra pergunta duvidando da terapia.
O farmacêutico confiante em sua prescrição lhe disse que não teria como afirmar com precisão o momento do efeito, só disse que era breve e que a medicação provocaria total esvaziamento do intestino logo na terceira evacuação.
“Como assim: Terceira evacuação? Eu preciso expelir a camisinha em uma única vez”, disse-lhe o indignado cliente, incrédulo de que teria que evacuar mais de uma vez para colocar para fora tudo o que estava lhe incomodando.
O farmacêutico frisou que a camisinha sairia em até três evacuadas, inclusive poderia sair logo na primeira.
“Se sair logo na primeira não da para parar a dor de barriga?” “não!” “começou tem que esperar até todo a dose do medicamento agir.”
“Eu preciso estar bem até à noite”, disse o cliente ao farmacêutico. Naquela noite receberia, em sua residência, a visita do seu “cacho”. O “cacho”, que mantinha a casa e o caso em sigilo, tinha dia e hora para aparecer e quando aparecia gostava de exclusividade. “O que será de mim se ele desconfiar que a minha dor de barriga foi provocada por um laxante”. Pergunta para resposta óbvia! “Estou naqueles dias!”.
A vida paralela do cliente com camisinha intra-anal transcorria dentro de uma normalidade aceitável nos seis dias restantes da semana e ele podia aproveitar, despreocupadamente, para vive-la como bem quisesse, mas no dia e hora marcados ele interrompia tudo e retribuía o aluguel e a dispensa provida que o “cacho” lhe proporcionava.
O ocorrido poderia não ter se transformado em um acidente, mas por infelicidade o que seria apenas mais um caso desprezível se tornou um caso aborrecível.
Quando o farmacêutico ficou sabendo do restante da história se compadeceu do cliente, mas comentou sarcasticamente:
-Hoje não vai ter sossego!