UM CATÓLICO ATRASADO

UM CATÓLICO ATRASADO

Havia um recado para ele com a secretária paroquial. Nele constava o comunicado do falecimento de mais um paroquiano, dizimista. O velório aconteceria no parque das palmeiras, a partir das sete horas, com sepultamento previsto, para às dezesseis. O sepultamento poderia ser adiado, caso alguns parentes mineiros não chegassem há tempo. Já estavam na estrada e periodicamente enviavam a localização pelo Whats. Chegariam à tempo de abraçar os familiares e dar o último adeus ao finado. Pela norma do cemitério, só se faz sepultamento à luz do dia.

A família não era das grandes. Havia representantes em vários cantos do país, mas os mais próximos estavam entre os daqui e os mineiros.

O finado encontrava-se atualmente, segundo status no facebook, em relacionamento sério com a atual viúva. A primeira, que havia largado a um bom tempo, ficou com a herança dos filhos para cria-los. Era um trabalhador mediano. Empreiteiro de pequenas obras. Patrão de poucos peões e certos nos acertos dos combinados. Cumpridor de prazos e bom aconselhador aos que com ele tocava obras. Demonstrava tais comportamentos como resultado do que aprendeu, nos anos de seminário mariano, lá em minas. Não chegou a usar batina, mas mesmo não estando no clero, buscava, em sua vivência, demonstrar o que aprendera. O que mais lhe incomodava era o celibato. Uma revolta despropositada o fez tomar outros rumos e sua fé se resumiu-se ao casamento na igreja, o batismo dos filhos e às irrelevantes frequências à missa, aos domingos.

O seu ofício lhe tomava tempo. A tempos estava vivendo com a roupa das obras. Nem mais se trocava, quando em casa. Chegava e logo saía. As despesas aumentaram, pois tudo estava uma carestia danada. O relacionamento foi se desgastando. Houve a separação, de corpos por um bom tempo, até que resolveram pôr no papel.

Mas, como diria minha prima Leidmar, sentada ao lado do fogão à lenha com os pés escorados no rabo aquecido em dias de frio, nas margens do rio brilhante: a fruta não cai do pé se não estiver madura! A papelada do cartório, com o divórcio, nem havia saído e o finado já havia marcado uma nova cerimônia civil.

A consorte desta vez fazia uma exigência: ele deveria ser batizado na igreja à qual participava. Teria que virar crente. Ele despretensiosamente nem se fez de rogado foi logo querendo saber onde estava o pastor e a piscina para mergulhar. Existia uma diferença de idade que o finado achou estar apaixonado do mesmo tamanho. Na mesma semana o pastor preencheu a ficha do novo congregado, e segundo seus cálculos o valor da fatura mensal seria o equivalente à dez por cento, do que a atual, e legítima, havia lhe confidenciado. Bela hora para fazer bravata, por bem menos ele se casaria do mesmo jeito.

O endereçado do recado, em suas andanças pastorais pela paróquia, ficou sabendo da história do pequeno empreiteiro, irmão da fé em um mesmo cristo, mas separados pelas agremiações. Fez-se convidado para um cafezinho, em sua casa, onde, o agora crente, por hora assentava mais tempo que na anterior. Fez-se apresentar como servo do senhor e em resposta “um deus me livre” de boas-vindas. Naquele dia a servo se portou como servo. Ouviu detido e moroso, o que a seu ver, tratava-se de um terrível mal-entendido. Ouviu maus bocados da igreja e do clero romano, do comportamento dos fiéis e etecetera e tal.

Ficou grato pela acolhida, elogiou o café e ficou na expectativa de uma nova xícara daquelas, em outro dia. A nova patroa fez as honras da casa, mas não se sentou junto à mesa. Sabia do passado pregresso do consorte e achou melhor não se intrometer, por enquanto.

Em nova visita o servo mostrou suas aptidões pastorais. Fez o serviço catequético a muito esquecido pelo irmão, relembrando-o das páginas coladas do seu catecismo. Com esta força de argumentos o irmão balançou. Reconheceu a conveniente revolta para com o clero romano. Se mostrou mais amistoso, mas havia uma situação contraditória em casa. Como bom crente buscava valorizar sua fé, mas estava diante de um impasse.

O servo o deixou à vontade e torcia pela prevalência da vontade de deus, ou seja, a sua reconversão, se assim achasse melhor. As portas do templo estariam abertas. Recebeu como contrapartida a intenção de “abrir o jogo com a patroa”, de rever seus antigos conceitos e reconsiderá-los caso não causasse discórdia.

Na próxima visita já fora convidado para a mesa do senhor. Reconciliou-se com o cristo e comungou. O tempo foi impiedoso nos acontecimentos. Quando menos esperava o servo estava lendo o recado. Encaminhou-se de missal e estola roxa ao local indicado. Logo na entrada esbarrou, em contra corrente, com alguém com a bíblia em mãos.

– Chegou tarde! Lhe dirigiu a palavra o de bíblia em mãos. O corpo já foi encomendado.

– A paz irmão, disse o servo antes de querer entender o atraso. Deus nunca se atrasa e em um momento como este qualquer apoio aos entes que ficam é compensador. O finado foi católico e em verdade não estava em pleno exercício dessa fé. Vim recomendá-lo ao altíssimo.

– Desnecessário!

– Se não for da vontade do finado é um dever da igreja. Na parábola do filho pródigo Deus mostra como nos ama, apesar de nossos erros e desencontros. Deus está sempre pronto a perdoar quem se arrepende e ficar feliz quando Seus filhos voltam para Ele.

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