DEU SUICÍDIO

DEU SUICÍDIO
Aloízio de Oliveira
Depois de ter o reconhecimento, por parte dos ministros federais, de que a precariedade das condições a que estão submetidos os detentos do sistema carcerário, constitui violações de suas integridades físicas e morais, vedada, como se sabe, pela Constituição, era de se esperar alguma novidade neste cenário.
Fazer parte da massa carcerária impõe mudanças significativas na vida dos ingressados. Tornar-se disciplinados, respeitadores e camaradas são algumas das regras impostas. Por força do regulamento interno, aprende-se (e cumpre-se!) a: Cumprimentar todos ao adentrar um recinto; Lavar as mãos antes de puxar a descarga; Colocar as mãos para trás e ficar de cabeça baixa quando for falar com autoridade; Passar a usar os termos “sim senhor” e “não senhor” com mais frequência; Saber que, quando dividir a cama com outros, seu lugar não é o do lado da parede; Ser receptivos com novos ingressados e saber que sua mulher um dia, também vai enfrentar fila para ser revistada, além de “otras cositas mas”. Não são bem estas preocupações e precauções dos senhores ministros, mas os novos tempos trazendo mudanças.
Imagine a inusitada situação a que os agentes enfrentarão ao se deparar com o figurão recém condenado, egresso das estâncias para lá de superiores, que, por falta de sorte, foi fisgado em flagrante delito dando “bom dia para cavalo”. Antes o ingressado já possuía um perfil pré-determinado.
Vai dizer, o agente, para o distinto de paletó e gravata:
“-Vossa excelência terá que me acompanhar até o seu futuro, e digno, aposento”.
Ficará cunhado o nome e que me desculpe Dráuzio Varela no seu Carandiru, mas aos seus “Mário Cachorro”, “Roberto Carlos”, “Sem-Chance”, “seu Jeremias”, “Alfinete”, “Filósofo”, “Loreta” e “seu Luís” o sistema terá que acrescentar o tal do “Vossa Excelência” e se fizer muita questão vai virar “Sua Santidade” sem nenhuma cerimônia.
-“O Doutô delegado qué fala com Vossa Excelência! ”, vai ser ouvido com mais frequência pelos corredores.
O problema do egresso é que para aprender as lições, Vossa Excelência não vai ter mais assessoria. Para se ter uma ideia, vai ter que ouvir do chefe da cela:
“-Vossa Excelência senta, cala essa boca, escuta que eu não sou papagaio”.
Nesse caso as lições serão como as de um curso semiextensivo, pois cadeia não é(ra) lugar para um Vossa Excelência ficar por muito tempo.
O recém egresso, no vício de sua vivência, vai achar que logo as trancas serão destrancadas, que tudo não vai dar em nada e novamente receberá sua liberdade de volta e lá pelas bandas do exterior, Vossa Excelência vai exerce-la merecidamente. Antes do Habeas corpus aquele hábil corpo vai ter que se esquivar do chefe da cela.
Pelo seu potencial na organização, seria previsível que quando o aguardado fosse impetrado, não teria lavado nem a primeira cueca, mas pelo visto já está lavando a latrina e nada, nem visita, só repórter querendo uma declaração de Vossa Excelência. A patroa aparece de vez em quando e aguarda na fila a vez de ser revistada, que humilhação!
Muitos dos seus, acham que Vossa Excelência cometeu atos que não deveria ter cometido nesta e nem em outras vidas, que as acusações são graves, que as provas são contundentes e que o que fez foi burrice e ninguém vai querer mexer nesta “M”, e até acham justa sua prisão.
Nesse tempo, que lhe parece infindável, resolveu pensar na vida e procurou outros valores. Passou a se valorizar mais e achar que é muito melhor do que os que estão ali dividindo o mesmo espaço, só não conseguiu reconhecer que ali, Vossa Excelência, é apenas mais um. Na próxima vez que usar da palavra lá no parlamento (que esperamos não seja breve) relate a dureza da vida dos encarcerados.
Pode não parecer, mas ele tem muito dinheiro escondido, tem inúmeras propriedades em nome de laranjas, carrões, iates, assim como muitos que ali dividem o mesmo espaço. Tem um que disse que tem um castelo. Não entende por que, com esta dinheirama toda ainda está ali tomando sauna e banho de sol todos os dias. Oportunidades não lhe faltaram, já chamou o carcereiro para uma conversa a dois, para lhe perguntar o que está faltando para lhe trazer a felicidade. Já perguntou em que banco tem conta, mas o carcereiro foi logo lhe avisando: “- Tá cheio de celular por aí, alguém pode gravar essa conversa”, o que ele achou um descalabro. Imagina nem na cadeia se tem privacidade.
Se o carcereiro topasse, já tinha tudo planejado. Fugiria pela fronteira seca e de lá embarcaria para a Espanha. Pelos seus cálculos, para uma vida modesta, sem ostentação, uma retirada mensal de cinquenta mil mensais de uma daquelas contas secretas, seria mais que suficiente. Abdelmassih e Pizzolato também fizeram a mesma conta. Ganhar cinquenta mil trabalhado já é difícil, para viver fugindo da polícia é que é complicado.
Com o fortalecimento das instituições, uma nova ordem está sendo estabelecida e Vossa Excelência estará adentrando a um mundo onde outros “pês” já faziam parte. Quem nunca ouviu a expressão “cadeia no Brasil é para os três ‘pês’: preto, pobre e puta”? Agora patrões, políticos, parlamentares, prefeitos, protegidos, prepotentes e poderosos também vão, ficando de fora (ainda) os (ex) presidentes (as).
Sentindo-se desamparado, abandonado, largado, com vontade de suicidar e por que não dizer traído, surtou na cadeia. Mandou um recado pelo carcereiro ao Sêo Delegado.
–“Amanhã, vou fazer um ditado, arruma lápis e papel”.


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