608
Aloízio de Oliveira
O título abrevia nostalgia. Quem teve ou usufruiu de um vai se lembrar, pois se trata de um veículo memorável que a Mercedes Benz lançou no Brasil, no início dos anos 70, para atender diferentes necessidades de transportes. Um 608 chamava a atenção por ser um utilitário pequeno, leve, para cargas urbanas, mas que ganhou estradas com o passar dos anos, era um verdadeiro pau-pra-toda-obra. Possuía linhas estranhas e sua característica cara achatada. 608 também era como se tratava um outro verdadeiro pau-pra-toda-obra. Este Guardava feições muito parecidas, mas se orgulhava da alcunha, pois sabida tratar-se de um aguerrido utilitário.
608 como disse servia para tudo, foi DJ, quiosqueiro, motoqueiro, no tempo em que não se tratava por motoboy, entregador de revista, jornais e medicamentos. O dia já clareava com ele de quiosque aberto e escurecia de moto arreada. Que horas se dorme um homem desses? Hoje leva choque na vida, tudo isso sem saber ler uma vírgula.
Por tanta ocupação e inquietação ninguém desconfiava que tudo acontecia na base da Benzetacil. Tomava uma todo mês, na bunda, até chegar a hora da cirurgia de uma válvula cardíaca que depois de muita agulhada veio a realizar com sucesso. Enquanto isso, não dava sossego ao corpo.
Foi descobri mulher depois de grande e olha que por insistência de um chegado seu. Este seu chegado descobriu em uma de suas confidências, no balcão do quiosque, que o dito cujo nunca tinha sentido o cheiro da petúnia. Providencia tomada e encontro marcado; “-Hoje ela passa aqui na hora de fechar para vocês irem lá…e isso e aquilo, e aquilo outro”. Recado bem dado e entendido por que só ficou aguardando o momento. Por azar seu, outros chegados souberam, sabe-se lá como, do encontro furtivo e bem na hora do fechamento do quiosque foi um tal de “-Me manda a saideira” e outras mais. Isto tudo com a puritana impaciente a esperar. Não demorou muito para ele tomar uma atitude: “-O freezer está aqui, o abridor aqui, o caixa…” o desesperado saiu com toda pressa do mundo, infelizmente a freguesia, naquela noite, não poderia mais ser atendida por ele, foi o primeiro caso de open bar que se tem notícia. No outro dia, como sempre, bem cedinho encontrou tudo no devido lugar, inclusive as gorjetas, por que será?
608 em outra oportunidade emprestou o carro do chegado para outro encontro furtivo, pelo jeito gostou da fruta. Ia encontrar a fulana bem longe dos olhares alheios. Mesmo depois da mercadoria embarcada teve que, no trajeto para o matadouro, passar na casa de ciclano por causa de um favor, vale lembrar que ele sempre foi prestativo. “-A demora é pouca” foi logo se justificando com o eminente prato principal da noite. Naquele dia estava animado, faria barba, cabelo e bigode, tudo depois que conseguisse parar de salivar feito um cachorro louco no cio. Tarefa cumprida o cachorro louco, digo o 608 partiu ao que viera.
Quem já teve fusca sabe dos percalços inesperados que este meio de transporte pode causar, quando não era o platinado era a bateria arriada. Quem já teve um fusca e nunca passou por uma dessas que se atire na frente do primeiro trem que passar! E o 608 não seria o sortudo da vez. O danado do fusca emprestado regateou a partida “- Vamos dar um tranco que pega rapidinho!” sugeriu ele a acompanhante, “-Que opção!” teria resmungado ela.
É como diz o ditado: “Quem dá aos pobres… dá o tranco no fusca” e ela não estaria disposta a tal façanha lá no moitel, principalmento depois da barba, cabelo e bigode prometido. Ela achou melhor deixar para outro dia. 608 teve que se virar para acalmar a sanha e não me cabe aqui descrever o modo como conseguiu.
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