15 – CREME VAGINAL APLICADO

   A vida solitária de um farmacêutico é nutrida na expectativa de uma busca satisfatória para suas necessidades vitais e dentre elas a mais proeminente eram as sexuais. Rapaz novo, bem resolvido, com situação financeira dentro do aceitável, saúde impecável e consequentemente uma disposição física acima do regular. Conhecedor do ofício, estudado para prestar bons serviços à clientela e educação manifestada de acordo com os rigorosos manuais da decência moral e bons costumes. Somando-se a isso uma boa pitada de conveniências era o que se podia ver em seus atos.

   Verdadeiramente o que bem discorria nos bastidores eram ações protagonizadas de alguém que não pertencia ao mundo em que se encontrava. Uma vida de inenarráveis fantasias, guardadas nas devidas proporções, sendo ele, como dito, um respeitado profissional, dono de uma índole inexorável. Apesar dos pesares e de todos os cuidados, os comentários eram inevitáveis. Das tentativas infrutíferas de se fazer as coisas às escondidas, em suas façanhas sexuais, sempre o colocavam em palpos-de-aranha.

   Para o atendimento, as clientes mulheres tinham a preferência e se fossem jovens, bonitas e atraentes, além da presteza no atendimento, recebiam crédito na hora junto com um valor franqueado por conta do estabelecimento para gastarem com toda sorte de produtos oferecidos pelo estabelecimento. O acerto ficava para depois. Isso não seria uma regra, mas cada estabelecimento, naquela época, estabelecia a sequencia do atendimento preferencial e no caso deste seriam mulheres, idosas, gravidas, com criança no colo, em cadeira de rodas ou muleta, homens, idosos…

   Oportunidades no tocante a mulheres, jovens e atraentes, nunca faltavam, o êxito nas investidas é que ficava no nível insatisfatório. Faltava ao profissional das medicações, mais controle sobre suas ansiedades e expectativas. Para ele a carroça vinha sempre na frente dos bois.

   Tinha fama de ser o melhor aplicador de injeção da redondeza, sendo por isso muito procurado, principalmente pelas fiéis tomadoras de doses diárias de anti-inflamatórios injetáveis, donas das terríveis dores nas articulações. Nestas horas o glúteo era oferecido sem a menor cerimônia. O musculo glúteo era o que menos se via, pois a “pelanqueira”, na maioria dos casos, era proeminente. Seriam os ossos do ofício, pois com os bons serviços prestados a esta clientela, a propaganda de boca em boca poderia encontrar eco e trazer para dar preferência ao estabelecimento outras pacientes usuárias dos anti-inflamatórios injetáveis. Era um pedido que fazia em suas orações, a contemplação de um “trazeiro” mais bem formatado, em carne e osso, e se possível com mais carne do que gordura e osso. Ainda exigia, se não fosse pedir muito, de preferência macio e com uns cinquenta anos a menos que os que estava acostumado a ver e dar agulhada. Descompromissadas também não seria nada mal.

   Outras taras nutriam a psique daquele balconista que de tanto mentalizar uma oportunidade, obteve a materialização da sua mentalização. Uma cliente em seu balcão protagonizando as suas divagações mentais, aquelas impublicáveis que ocupavam sua mente nas horas de folga atrás do balcão. Uma cliente, que comprara a poucos dias um creme vaginal, estava com dificuldades para seguir a posologia do médico. Como a data de retorno se aproximava e ela ainda não tinha feito o uso recomendado e os sintomas só pioraram, desesperada foi até a farmácia para ver se lá alguém poderia prestar-lhe um auxílio para que ela pudesse utilizar o medicamento. Contando assim ninguém acredita, mas foi isto mesmo: o farmacêutico iria auxiliar uma cliente desamparada em um de seus momentos mais delicados e íntimos.

   O qualificado farmacêutico foi tomado de assalto, mas quando se trata de um assunto como este não existe escolha de hora, teria que proceder o atendimento e pelo estado desesperador da paciente, urgente.

   Para certificar-se de que o tinha entendido era o que tinha entendido perguntou:

   -A senhora quer que eu faça exatamente o que?

   A cliente com certeza responderia que precisava que ele lhe aplicasse o creme vaginal porque o balde de água fria do “senhora” ele tinha já havia despejado sobre os afoitos leitores. A cliente seria uma mulher, viúva, que morava com uma das filhas casada desde a perda de seu digníssimo esposo. Ela dividia com o resto da família a casa onde antes morava com o finado. Apesar de não ser uma casa grande, acomodava a todos, dentro de seus limitados apertos.

   A mulher, que acaba de ser apresentada, para desapontamento dos leitores, não fazia parte do rol das preferências do farmacológico balconista. Não era jovem, nem bonita e de tabela, nem atraente. Estava com dificuldade de alcançar o fundo da vagina com a carga de creme do aplicador, na posição recomendada pelo médico. Chegou ao estabelecimento, vindo do hospital, que ficava bem próximo dali, onde não encontrara alguém disposto a auxiliá-la. Recomendaram o seu retorno ao consultório do médico e quem sabe ele não faria o procedimento. O problema era a agenda do doutor, que de tão lotada, nem telefone atendia, apesar dos constantes recados deixados com a secretária.

   Lembrou-se da farmácia porque foi lá que adquiriu a mercadoria, sendo, portanto, como no caso dos clientes que adquirem as injeções e lá mesmo ministram a dose, o responsável também pela aplicação.

   O farmacêutico não via barreira nenhuma em prestar o atendimento, mas foi salientando à cliente que o medicamento, conforme prescrição médica, deveria ser ministrado no horário determinado pelo médico ginecologista, ou seja, antes de dormir, quando estivesse deitada em decúbito dorsal.

Como já tentara contato com o médico e ido ao hospital atrás de alguém da área de enfermagem e não conseguiu resolver a situação, ela deveria pedir ajuda de algum parente ou de maior intimidade, ou seja, alguém de casa, quem sabe assim ela conseguisse alcançar a vagina com o aplicador? A filha já não se prontificara porque nas vezes em que teve que também fazer uso de um creme vaginal se melecou toda. Se consigo mesma ela já ficara enojada com a coisa, imagina em outra pessoa? Se negou a ajudar a mãe, mesmo nesta situação. Foi com sua ajuda que ela tentava falar, por telefone, com o médico e contar-lhe a dificuldade.

   O farmacêutico, agora ao par da situação, se comoveu com a situação. Se fosse para seguir à risca a posologia do médico e como ele já se prontificara, poderia ir à sua residência mais tarde e prestar o atendimento.

   Quem diria que o farmacêutico se encontraria em uma situação destas. Passar mais tarde na casa de uma de suas clientes para introduzir lhe alguma coisa bem no fundo da vagina. Era o que mais tinha pedido em suas orações nos últimos anos, guardadas as devidas proporções, mas alguma coisa não estava de acordo com suas solicitações.

   O farmacêutico não opôs obstáculos e disse que logo mais, assim que fechasse o estabelecimento, passaria na casa da paciente e ministraria a dose recomendada e lhe passaria alguma orientação para as posteriores aplicações. Só lhe foi solicitado para não demorar, pois a cliente dormia cedo.

   Chegando na residência, condicionou seu trabalho a presença de mais alguém no acompanhamento, para se resguardar. Tudo certo e de acordo, acertou a posição correta para a paciente, o tal decúbito dorsal com pernas semiflexionadas. Preparou uma dose do creme e foi direto ao ponto. Aplicou-lhe a dose do dia, ou da noite. Após ministrar facilmente o medicamento, quis saber da paciente qual era a dificuldade? E da filha qual a resistência? Pediu para que a paciente simulasse uma aplicação e pode observar que além da pouca flexibilidade, o comprimento dos braços não ajudava. Concluiu que sozinha seria impossível ministrar a dose. Se a filha demonstrasse um pouco mais de boa vontade, o trabalho do farmacêutico se encerraria naquele dia, mas ela achava melhor alguém com conhecimento e habilidade para mexer com aquelas coisas. Por mais alguns dias o farmacêutico encerrou seu expediente na casa da paciente.

   Casos como este eram comuns aparecerem no estabelecimento. Uma cliente que não consegue aplicar a medicação? O descaso do pessoal da saúde? A invasão de privacidade? Ou o desamparo? O farmacêutico às vezes assumia o papel reservado a outros por causa do orgulho ferido. No caso desta mulher além das restrições físicas, lhe era negado o apoio de alguém próximo, forçando-a buscar fora do seu círculo afetivo colocando-se em risco de sofre com a falta de sorte. Sorte foi ter encontrado o prestativo e por que não dizer, controlado farmacêutico.

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