Me sinto lisonjeado pela deferência. Creio que nossa entrevista se restrinja a minhas vivências literárias. Creio também que não se trata de uma carreira, mas uma trajetória percorrida, por mim, pelo mundo da literatura. Minha carreira mesmo e de professor de química, que não me impede de usar outras linguagens que não a chamada científica. Nos últimos anos, além de professor, atuo na Educação Inclusiva, como assessor do Chefe da Seção de Atendimento Educacional Especializado, poesia pura que por incrível que pareça me trás muito da poesia do sul-mato-grossense Manuel de Barros, o poeta que dá ressignificado a palavras e das coisas insignificantes.
Perguntas em relação à carreira:
O que te motivou a ser quem é hoje?
Tenho lembranças de me aventurar na produção de textos como forma de contar histórias. No começo eram histórias inventadas, bem estilo literário de contos policiais com trágicos fins ou os sempre presentes “…e foram felizes para sempre”. Com o passar do tempo, e bota tempo nisso, eu comecei a abrir o caderno, antes dos editores de texto, e contar, escrevendo, meus fatos do cotidiano. Lembro do meu interesse em ler o cronista Mario Prata nas páginas do Jornal O Estado de São Paulo, com os relatos de sua vivência nos tempos de adolescência e eu achava que poderia contar um pouco das minhas também. Se produzi alguma coisa não tenho como provar, pois naquelas oportunidades eu não pertencia mais ao mundo acadêmico, eu havia terminado o segundo grau, e os cadernos com as anotações alimentaram a fogueira santa dos itens descartados. Quando voltei a ter contato com cadernos, lápis, borrachas e canetas não parei mais, inda mais sendo eu um professor. A partir dos meus escritos pude me enquadrar como um cronista. Me lembro de uma definição: se não for crônica, é breve! Toda história que eu escrevia buscava colocar um final cômico. Fui levado para os poemas a partir de uma Oficina ministrada, no Colégio Militar, pelo poeta Ruberval Cunha. Passei a escrever na linguagem poética até descobrir que existia a crônica poética. Depois disso, passei a buscar poesia em tudo, pois além de poemas, ela está presente em tudo, não necessitando de texto, para identificá-la, bastando treinar a sensibilidade poética. Somos antropofágicos: Poetas que comem poesias e produzem outras poesias.
Como o senhor acha que a literatura impacta na sociedade?
Vou me referir à sociedade como a reunião de segmentos sociais, e a partir disso eu poderei te afirmar que a poesia impacta os diversos segmentos a seu modo, trata-se de um encantamento, uma descoberta de mensagens codificada por trás de uma simbologia, sendo a mais usual o texto. Por muito tempo, para mim, a poesia e os poetas serviam aos românticos, ou seja, para coisas ligadas ao amor e a tudo o que a ele se remetia. Ao abandonar esta ideia passei a ver que a poesia estará presente nos diversos assuntos, motivada pelos diversos sentimentos que não só o romantismo.
Quais são os desafios de ser um escritor?
Se nós pudéssemos descrever a ação do escritor ela estaria vinculada ao leitor. Sendo um escritor, existe a preocupação com a qualidade do texto, respeitando-se todas as regras da comunicação. Vive-se de escrever (de ofício), mas o caminho é longo e penoso, até se ter o reconhecimento pelo que se escreve. Economicamente eu posso dizer que nem sempre os mais lidos são os melhores, mas de toda forma é desafiante. Poderei falar sobre o segmento literário ao qual me insiro, onde um escritor com um bom repertório resolve materializar esta produção na forma de um livro e a partir daí ser tratado como escritor. Ele vai entrar na linha de produção, muitas vezes, por conta (e risco) própria. Quando os livros saem da gráfica ele os coloca debaixo do braço e sai oferecendo a obra “de porta em porta”, quem pode faz noite de autógrafos. O retorno financeiro pode ser interpretado como sucesso, só que não! sucesso mesmo é ser citado e reverenciado pelo meio literário. Eu, como escritor, participei de coletâneas de poesias junto com outros autores. Tenho um material pronto, mas ainda não vislumbrei uma oportunidade. Existe também fundos governamentais que fomentam a cultura literária, onde constam algumas etapas e a primeira delas eu descrevi acima, ou seja, oferecer “de porta em porta” com recursos próprios, e se o projeto for aprovado, recebe o fomento, imprime mais livros, participa de feiras literárias, entrevistas etc. Eu tenho um Blog onde registro minha criação e despretensiosamente aguardo visitas e comentários.
Qual a importância da diversidade (Gêneros literários, formas de escrita etc.) na literatura, em sua opinião?
A maior importância em diversificar as formas de divulgar a literatura seja, a meu ver, o respeito ao leitor. Se houvesse somente livros, eles não poderiam facilitar a leitura por sua existência física a quem vive se deslocando e carregá-los poderia se tornar incômodo, então entra em cena outras formas que as tornam mais fáceis de carregá-los. Acessar literatura pelos diversos meios só perderá a importância se este acesso se tornar o “leitor” muito passível. Modernidade tem uma relação muto forte com velocidade de acesso a estes meios literários, isso pode causar a perda emocional proporcionada pela obra.
Como o senhor vê o futuro da literatura e da escrita?
Vou usar a minha história da leitura do Mario Prata, que acontecia nas páginas impressas do Jornal, sendo hoje o futuro, ainda continuo lendo cronistas nas páginas dos jornais, mas no formato eletrônico, se não fosse este tipo de acesso às crônicas, eu ainda estaria estacionado no tempo por causa desta minha ação e teria que ir a uma banca de jornais e comprar um exemplar. Inova-se o modo de produzir, mas a função da literatura será sempre a mesma, que é a divulgação das criações. Quando tive acesso a uma obra de José Saramago, estranhei a forma dele escrever, assim como poderei encontrar outras escritas inusitadas. Sinto uma satisfação imensa ao ver os alunos portando livros paradidático e não paradidáticos pois me remete a um tipo de prazer que posso tecer alguns comentários: isso é muito bom! E cada ano novos aluno e novos livros impulsionam uma das formas do que se chama de literatura. Lê-se bem e escreve-se bem, não tem segrego, eu não sei quem veio primeiro: o ovo ou a galinha, digo a leitura ou a escrita, mas elas coexistem e se necessitam.
Que conselho o senhor daria para novos escritores?
Dizer para eles escreverem mais seria um conselho obvio, mas só assim acontece o processo de lapidação e obtenção de joias a partir de pedras brutas. Tenho contato com alunos que me dizem que “não gostam de escrever!” e eu lhes pergunto “e o que você escreve quando escreve?” e na replica ouço “o senhor não entendeu: eu não escrevo!”. Se eu recomendo escrever, eu recomendo ainda mais: escreva à mão, em letra cursiva, em respeito a velocidade de seu pensamento, mesmo que depois se faça uma reescrita. Aos que não escrevem eu lhes pergunto mais: e a sua redação nos concursos, como será? Repertório de escrita só se faz com acesso à informação e a leitura é uma delas.
Uma etapa pela qual passei e que para mim foi de muita valia, foi preencher um diário a partir de anotações de uma agenda. Treinei escrita, memória e organização. Deste formato encontrei inspirações que pude chamar de “criação literária”, fica a dica! Outra faze que me recordo foi quando carregava comigo uma cadernetinha, que cabia no bolso, e uma pequena caneta, para gravar no formato de anotações uma possível pauta para novas criações. Nela eu anotava o presente, o passado e o futuro, mas abandonei a este procedimento depois que li uma entrevista de João Ubaldo, que também carregava uma cadernetinha, em que ele citava Gabriel Garcia Marques, que também andava com uma cadernetinha, que cabia no bolso, e uma pequena caneta e nela fazia anotações… abandonou a ideia e não lhe faltou inspiração, dizia ele que uma boa inspiração ficava marcada, o esquecimento não valia a pena, por isso era esquecido.
O senhor acredita que a literatura está em declínio? Por quê?
Já vou adiantando a resposta: Nem na indústria gráfica!
Estamos em plena Bienal do livro de São Paulo e os números só indicam crescimento.
Se existe uma crise ela deve ser atribuída aos leitores. Estatisticamente lemos pouco. Não há problemas com o número de escritores nem com a quantidade de lançamentos.
PERGUNTAS PESSOAIS
O que te atrai em um livro?
O Assunto, a quantidade de folhas, o autor etc. Das possibilidades de aleatoriamente eu entrar em uma livraria, física ou virtual, as minhas intensões em adquirir algum livro já deve ser voltada ao assunto, depois ao tamanho do livro e depois ao autor. Sou fã de sebos e assíduo frequentador do estantevirtual.com.
Como o senhor escolhe suas leituras?
1º – Obrigatoriedade com ócio; 2º – Obrigatoriedade e 3º – Ócio, nesta sequência. Profissionalmente somos levados a leitura de atualizações que as tornam obrigatórias, se o tema for obrigatório, mas o assunto for atrativo, melhor. A leitura por ócio vai para o final da fila.
Lembro-me de quando li “Longe da Arvore”, me atraiu o assunto, mas não conhecia o autor e além do mais o livre tem 1056 páginas, que foram desconsideradas. Foi obrigatória com um misto de satisfação.
Qual(is) seu(s) livro(s) favorito(s)? Por quê?
Livros que contam a História de Mato Grosso do Sul estariam em primeiro lugar. O Último que li foi do professor de Espanhol e Língua Portuguesa que trabalhou conosco no Colégio Militar, Capitão Américo, que conta a história da cidade de Nova Alvorada do Sul, misturada com a história de sua família. Em segundo lugar eu prefiro livros que contam histórias de composições, sendo as mais recorrentes as histórias de canções. Acho que elas enriquecem o repertório de uma criação.
Teve algum livro que te trouxe outra visão de mundo ou perspectiva? Se sim, qual(is)? Por quê?
Sim. Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus. De tudo o que já foi dito sobre a obra e sua autora eu acho que faltou dizer que na narrativa do seu cotidiano miserável ela, a autora, não acumulava nada, pois além de não ter onde guardar, o que que conseguia angariar com seu trabalho era pouco(suficiente?). Saía para trabalhar pela manhã e conseguir o “necessário” para amanhã, pois o de hoje foi conseguido ontem. Ela foi catadora de sucata e papelão. Vida “simples”(sem bens) e sofrível de uma mulher preta, mãe solo que criou dois filhos, moradora da primeira favela da cidade de São Paulo. Descoberta por um jornalista conseguiu lançar e vender seu “quarto de despejo”, arrecadar um dinheiro, sair da favela, morar casa própria e por força de preconceitos da vizinhança teve que retornar para o seu “quarto de despejo”, na sua favela. O que o livro me trouxe? Vivemos de aparências! Favelada não pode ser escritora e preta não pode ser dona de imóvel.
O senhor prefere livros físicos ou E-books (Livros digitais)? Por quê?
Físicos. Gosto de ter um certo domínio sobre o objeto. Ter um livro em mão transparece intelectualidade e me cansa menos a leitura. Tenho lido alguns e-book, mas a maioria é físico.
Qual foi seu primeiro livro?
Primeiro e único. Dei-lhe o nome de Memórias de um Farmacêutico. Concomitante com minha vida e estudante trabalhei no comércio como balconista de farmácia, que mesmo não sendo formado em Farmácia o exercício da função me dava a designação de farmacêutico. Trata-se de uma coletânea com 20 crônicas (causos) obtidas no exercício da função e meus clientes. O livro está pronto, em estado de latência. Aguardando uma oportunidade para fazer o lançamento.
Tenho meu nome junto com outros escritores em algumas coletâneas, como “as 101 reinvenções de Manuel de Barros” e “Era uma vez”, contos infantis. Outras são resultados de concursos literários que culminavam com a edição de um livro.
Qual(is) livro(s) o senhor recomendaria para alguém que esteja começando a ler?
Resposta óbvia: Para gostar de ler. Trata-se de uma coleção com diversos números. Foi o segundo livro que li na minha vida, e que tenho lembranças, o primeiro foi “Zé Colmeia no lago”. O primeiro tinha ilustrações, textos curtos e poucas páginas e uma história com começo meio e fim, ainda me lembro, apesar de já terem passados quase 58 anos. Já o segundo era mais denso, era composto de várias histórias, curtas, escritas por quatro autores, se não me engano foi o número 1 da série. Nossa professora de nome Márcia Maria Bahia Rodrigues Guanais da Silva, da 5ª série (1977) já havia passado em outro bimestre “Iracema”, que nunca li, mas por favor, não conte a ela, ela é viva e meu contato de WhatssApp, conversamos regularmente, mas este assunto está proibido. Ainda sobre Iracema devo ter feito a prova do paradidático e não me lembro da nota, mas do “Para Gostar de Ler”, devo ter tirado uns dez, para compensar. Tive contatos com outros volumes da série, isso depois de grande, e um deles era “Para Gostar de Ler Poesias”. Tenho comigo que a leitura é um hábito e como qualquer hábito deve ser cultivado. Vejo alguns dos meus alunos estudando na véspera de prova tendo que ler e fazer (que chamamos na FOA de refazer) exercícios em quantidades fora do seu ritmo, que só resultam em cansaço. Se a prova for de um paradidático, daqueles cheios de páginas o prejuízo, sem o hábito será maior.