Hoje quando preciso fazer alguma coisa diferente para comer, abro o livro de receitas do Google e me esbaldo. Consulto uma receita, comparo com outra, assisto o vídeo com o modo de preparar e escolho a mais conveniente. Antes, porém dou uma olhada nos comentários, onde encontro mais sugestões, recomendações e descrição de resultados, sem falar nas curtidas. Tenho obtido êxito nas minhas peripécias como cozinheiro amador e o pessoal aqui em casa às vezes aprova o paladar. Depois deixo tudo registrado em um caderno de capa amarela com data, nome do prato etc.
Hoje o êxito culinário é bem mais fácil de ser alcançado, em comparação com os idos tempos em que minha mãe se virava na obtenção de alguma receita. Fui testemunha em muitas situações de sonegação de informações por parte dos detentores do saber culinário. As colaborações eram benvindas e os compartilhamentos de informações, da parte de minha mãe, pelo que eu via eram abertos a quem procurasse. Nesta busca em obter a receita certa ela experimentava a mistura dos ingredientes até chegar ao mais próximo possível.
Ela tinha formação acadêmica, fora diplomada contadora pelo Colégio Osvaldo Cruz. Chegou a exercer a profissão no escritório da construtora do Hospital das Clínicas. Foi lá que se encontrou com meu pai e posteriormente se casou com ele. Depois virou secretária do ambulatório, enfermeira do Hospital, onde teve os seus três filhos, depois, por outras necessidades, não mais trabalhou para fora. Frequentou uns cursos no Sesi e virou uma MEI pré-histórica. Acho que, pelas minhas lembranças, inicialmente fazia o trivial: bolos e salgadinhos, posteriormente empreendeu na diversificação dos produtos, chegando a oferecer serviço de buffet completo para festas e eventos. Saliento que para chegar até onde pode, contou com a colaboração e experimentação.
A freguesia encomendava o que havia no catálogo, com ligeiras variações nos cardápios, coisas simples sem sofisticações, mas que atendiam a demanda da incipiente clientela da Vila Planalto. Com o êxito no agrado dos paladares a fama se espalhou e as encomendas aumentaram, assim como as exigências. No tocante às exigências ela, a princípio, se mostrou resistente, e poderia fazer o trivial, mas as necessidades também aumentavam. Meu pai também já não era empregado e sim autônomo.
Uma vez encomendaram uma tal de “Marta Rocha”, um bolo com variadas camadas que só os detentores da receita se atreviam fazer. Como disse anteriormente ela teve que buscar alternativas e experimentar até chegar a algo muito parecido. Que pão-de-Ló e recheio usar? Onde encontrar os ingredientes? O quanto isso custaria na formação do preço final?
Lembro-me de acompanhá-la até uma loja chamada “Palhacinho Rei das Festas” onde ela se disfarçava como cliente e perguntava se havia tal ingrediente e como procederia o preparo. Quando era atendida por uma vendedora ela fornecia os ingredientes, mas o preparo teria que falar com a proprietária, que hoje deve estar podre de rica, se é que ainda não partiu desta, levando a fortuna obtida com aquela detenção de conhecimento, sendo ela uma quituteira também, lógico que se alguém precisasse de uma “Marta Rocha” iria encomendar com ela. Como resposta a proprietária era direta: ela não sabia! Melhor resposta, em relação à quando, muito amigavelmente, ensinava coisas “nada a ver”, por pura maldade, para eliminar a concorrência.
Pergunta daqui, pergunta dali e finalmente se chegava a uma bela opção, coisas que o original só seria encontrada na “Lalai Doces”, a doceria chic da cidade. Outras padarias também participavam de fatias do mercado. O que me lembro é que alguns ingredientes só eram fornecidos a estes estabelecimentos. Havia uma tal de pasta americana, para moldar desenhos em tortas, iguais às das revistas. Outro ingrediente era um tal de Emustab para dar ponto no glacê, que não era vendido e quem precisasse de ponto no glacê, derretesse o açúcar em um pouco de água e despejasse, em fios aquecidos na clara em ponto de neve, com a batedeira ligada na velocidade máxima. Obtido p creme firme partia para o saco com bico, quase na hora de entregar a encomenda. O bolo confeitado não caberia na geladeira, para conservá-lo naquele formato, então o negócio era torcer para a coisa não escorrer.
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Obrigado!