Do ano eu só me lembro aproximadamente, do local com exatidão e do fato com detalhes. Escola José de Anchieta, em noite de festa junina, com dança de quadrilha, ensaiada pela professora Noêmia, a atração principal um gigantesco pau-de-sebo e o prêmio em dinheiro e uma prenda presa em um braço de madeira colocado em 90 graus no topo daquele poste.
O que levaria um menino com menos de dez anos(eu) a encarar o desafio de subir no pau-de-sebo? Não faço ideia. Lembro-me de já estar naquela altura e pedir para voltar. Quando me lembro recordo-me de que sempre tive medo de altura. Era noite e a escalada me tirou da claridade. Fiquei solitário, apesar da cooperação de outros escaladores que me empurravam para o topo. O prêmio seria dividido entre todos. Lá em cima vislumbrei o telhado da escola, as copas escuras das árvores e a caixa d’água no mesmo nível em que me encontrava. Até hoje ouço o som daquele silencio. Dava para dialogar com quem estava logo abaixo de mim, que eu não faço a mínima ideia de quem se tratava.
Ninguém escalaria sozinho aquele poste liso sem ajuda de vários outros escaladores. A primeira parte da escalada estava totalmente lisa devido ao intenso trânsito dos desafiadores. Como estive à tarde na escola, vi que o seu Manoel, guarda da escola, e outros senhores que estavam ensebando(passando sebo) no tronco deitado, que depois de fincado, se transformaria no “majestoso” pau-de-sebo. O ato de se esfregar no tronco seria o mesmo que lustrá-lo, como se faz nos lustras móveis, deixando-os brilhosos. A primeira parte do pau-de-sebo era difícil de ser escalado por ser mais escorregadio, as próximas etapas também eram escorregadias pois estavam cheias de sebo gosmento. A medida que escalava ganhava altura sem nenhum EPI. Um descuido pode ser seguido de uma tragédia.
Carreguei estas memórias como traumas. Por sorte, quando disse que queria descer, fui prontamente atendido, acho que não acreditaram na minha proeza. Consegui chegar ao chão e nele colocar os pés descalços e sentir novamente o cheiro de serragem, característico de festa junina. A demonstração de coragem para escalar, ficou somente até eu pedir para descer. No chão, me vi fora dos trajes caipiras, ou seja, sem a gabardine apropriado. Tive que voltar em casa, que ficava a duas quadras da escola. Quando tive a excelente ideia ainda estava nos trajes da dança “Ai bota aqui, ai bota ali, o seu pesinho” que dancei com minha parceira Ana Maria, que está desaparecida, para mim, desde o final daquele ano letivo. Tomei a iniciativa de escalar o pau-de-sebo, por mim mesmo, achei que seria um ato admirável, e não uma idiotice inconsequente. Quando meu pai e minha mãe ficaram sabendo da peripécia, não gostaram, disso eu me lembro, mas da forma como me reprimiram não guardo os detalhes. Tive que voltar em casa e recolocar a roupa de caipira. E se você despencasse daquela altura? Teria me questionado minha mãe. Não me faça mais uma destas, teria dito meu pai.
Em uma festa junina daquela época eu ficava “ao Léo”. Meus pais, eram membros da Associação de Pais e Mestres, e estavam sempre envolvidos na organização, e execução, da festa. Acho que minha irmã, mais nova, teria que ficar junto à minha mãe, que ficava na barraca da maçã-do-amor. Meu pai ficava na barraca das bebidas e meu irmão, mais velho, com seus amigos. Eu tinha os meus contatos, mas permanecer longe dos cuidados dos responsáveis me parecia algo aceitável, hoje impensável, para mim. Ficava rodando as barracas, depois de ter gastado o valor disponível na pescaria. Nunca fui atraído para a barraca do coelho, tinha pena daquele coelho assustado, que amedrontado pelo grito dos apostadores fugia para uma das casinhas e contemplava o dono da ficha.
Hoje as festas ainda acontecem e dificilmente se vê um pau-de-sebo. Vejo as escolas optarem pela mudança no horário de realização destas festas. Elas acontecem durante o dia sem mudança na programação. Tem quadrilha e barraquinhas, só não tem pau-de-sebo.