8 – SEU NOME É NORDETE

Toda mulher que se preza deve ficar atenta ao seu ciclo hormonal, afinal de contas, queira ou não, sua saúde depende destas oscilações, alguma alteração significa problemas. É nesse momento que entra em ação a melhor coisa do mundo, se não for, ficará bem próximo disso, o Modess. As mulheres registram as datas de início do ciclo e a duração desse, assim se enquadram numa melhor qualidade de vida. Diante de qualquer anormalidade, correm logo para confidenciar às amigas para saber como lidar com o assunto e resolvê-lo. Qual chazinho tomar e qual a receita da amiga, mas dependendo do caso é melhor procurar um farmacêutico experiente ou ainda, se este não resolver, um médico.

A filha vivia nessa: quando não era o excesso, era a falta, uma situação que enchia de preocupação aquela mãe aflita. Já tinha feito tudo que era simpatia, até proibir a filha de tomar banho, “naqueles dias”, mas nada adiantava, virava e mexia estava a filha incomodada.

A mãe era incrédula com médicos, pois estes não sabiam nada, nem sobre si mesmos, conhecia várias histórias sobre eles, sendo assim, como poderiam entender da saúde dos outros. Ainda mais quando se tratava de assuntos tão delicados e íntimos. Como não tinha o hábito de se consultar regularmente relutou em procurar ajuda para a filha. Como a filha permanecia incomodada não teve jeito, teve que enfrentar aquela fila de madrugada no INPS.

Na consulta, sempre na presença da mãe que cuidou de relatar todos os sintomas que a filha estava sentindo e de todos os procedimentos adotados, o doutor pouco ouviu a voz da paciente. Pelos três minutos de consulta recebeu a receita e o conselho: “Este remedinho vai resolver.” Aliviada, por não ser preciso um exame minucioso na filha, a mãe pegou a receita e ouviu as recomendações do doutor. Saindo dali se dirigiram ao farmacêutico mais próximo. Ela sabia ler, e muito bem, mas aquela “garrancheira”, só um farmacêutico poderia entender.

Na farmácia entrou a mãe de receita na mão. Ressabiada, a filha, por exigência própria, ficou na porta do estabelecimento. Do ponto onde se prostrou, tinha uma visão privilegiada do interior da farmácia e da calçada em frente. Com aquele olhar assustado ela observava tudo, preparada para, no caso de qualquer eventualidade, sair em desabalada carreira. Se estivesse próxima do foco, a probabilidade de escapar do cabo do guarda-chuva da mãe e de algum comentário maldoso do farmacêutico seria pequena.

O farmacêutico ao ler o receituário e levantar os olhos inadvertidamente na direção da paciente, sem querer lhe atirou um olhar, e qualquer que fosse, comprometedor. Ela assustou-se ainda mais e já se preparava para o pior. Parece que estava esperando uma reação explosiva de sua mãe. Ela seria tomada por um acesso de raiva e descarregaria toda ela sem medir consequências sobre a paciente. Ela deveria ter aprontado alguma, foi isto que o farmacêutico supôs.

Ao mostrar a embalagem do remedinho receitado para a mãe, esta teve um acesso de espanto. Deu outra remexida no interior de sua bolsa como se quem estivesse procurando uma outra receita, mas não estava enganada, era aquela mesma, para sua frustação.

-Esse remédio é o que eu tomo para “invitá”! Esse médico está doido, está pensando que minha filha é o que? Para começar nem examinou a menina direito. É cada um que me aparece… imagina eu chegar lá em casa com um remédio desses dizendo que é para minha filha, o Geraldo (que devia ser o pai da paciente) me mata!

A medicação recomendada era o famoso Nordette, mais conhecido como contraceptivo, pílula anticoncepcional ou o remédio de “invitá”, daí o espanto e desolação da mãe da paciente assustada e precavida. A pílula também é usada com sucesso na parte clínica para o tratamento de sintomas de patologias, tais como sangramentos irregulares, cólicas menstruais, TPM, diminuição do fluxo menstrual, endometriose e síndrome dos ovários policísticos. A paciente devia ter outras preocupações além destas.

Do ponto estratégico em que assistia o atendimento no balcão da farmácia a paciente não conseguia ouvir o que a mãe tanto esbravejava e inclusive gesticulava apontando para aquele ponto estratégico onde estava a dita assustada. A paciente ensaiava a disparada, mas aguardava melhor definição sobre o diálogo no interior. Dali até a rua Maracaju, uma das artérias do transporte coletivo da cidade, seriam três quadras percorridas no modo raso, como se diz no atletismo, lá embarcaria no primeiro ônibus que encostasse em um daqueles pontos lotados, que este o levaria para uma distância suficientemente boa para ficar afastada daquele buchicho até que a poeira abaixasse.

A mãe furiosa arrancou a receita das mãos do farmacêutico, agradeceu o atendimento, não quis saber nem o preço e saiu dizendo que iria voltar ao ambulatório e quebrar a cara daquele despreparado, sem vergonha e depravado, pertencente à máfia dos “de branco”. Ao se encontrar com a filha na porta, disse apenas que tinham perdido tempo à toa e que teria que fazer outra consulta, mas que desta vez escolheria uma médica, que é quem sabe das coisas de mulher. A filha que pouco falou, apesar de ser a protagonista da história, concordou plenamente com a mãe e tentou de todas as formas acompanhar seus passos apressados com destino à Maracaju e de lá para a casa, pois no outro dia teriam que repetir o trajeto, a diferença seria uma médica.

Sobre o farmacêutico pouco podemos relatar, pois clientes que procuram a farmácia com receitas na mão e discordam do diagnóstico médico e da terapia adotada a todo momento aparecem por lá, e a incrédula mãe e a assustada filha seriam apenas mais uma, seriam…

No outro dia logo pela manhã, mesmo antes da abertura do estabelecimento, o farmacêutico se encontra com sua cliente de véspera. Ela já estava com uma receita nas mãos pedindo-lhe, mesmo antes de levantar as portas, que aviasse a receita.

O farmacêutico admirou-se com a prontidão do serviço público de saúde, que já dispusera uma profissional para melhor diagnóstico e mudança de medicação para corresponder aos anseios daquela desassossegada mãe e sua filha incomodada, em tão pouco tempo.

-Está é a receita de ontem! Afirmou o farmacêutico. A senhora tem a de outro médico? A pergunta foi inevitável, pois ontem, quando saíram do estabelecimento estavam dispostas a trocar de médico, por motivos “óbitos”.

-Vai ser este mesmo, nem foi preciso ir a outro. Ontem mesmo, antes de chegar em casa, passei na casa de uma vizinha e ao comentar com ela sobre a nossa má sorte e sobre o remédio receitado, ela me disse que o doutor estava certo, este tipo de remédio também é usado para estes casos, não serve só para “invitá”.

O farmacêutico foi logo lhe falando o preço, embrulhando a mercadoria e perguntando se tinha alguma dúvida sobre como tomar, mas estava tudo bem entendido, conforme as orientações da doutora vizinha. Ele poderia ter perguntado sobre a reação do seu Geraldo, se ela tinha dito para sua filha que o remédio receitado era para “invitá” e se a menina estava bem, mas achou melhor lhe passar o troco e agradecer a preferência.

-Nem comentei nada com o Geraldo, disse a mãe aflita e incrédula em médicos. Uma vez ele me disse que não estava neste mundo para acoitar ninguém, muito menos filha. Já pensou se eu conto que a filha estava tomando remédio de “invitá”? Nem para minha filha eu falei qual a outra serventia do remédio, sabe como é, moça na idade de “querê” namora se entusiasma e se perde “facinho”. Ela é minha caçula, seguiu dizendo. Depois dela eu operei. Usava este remédio receitado pelo médico.

-Agora nem precisa mais, disse o farmacêutico completando o raciocínio. Só a… como é o nome dela mesmo?

-Valdete!

-Como?

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