Ser atendente no balcão de uma farmácia é estar disposto a viver situações adversas. De simples dispensador de medicamentos, passando por orientador de posologias, aplicador de injeções, médico, com especialização em clínica geral, e em muitos casos até psicólogo ou psiquiatra clinico dependendo do caso. Atendendo a venda de uma Aspirina aqui, um Doril ali, vai se preenchendo um dia de expediente de um balconista, muitas vezes tratado como farmacêutico. Se a prática lhe ensina muita coisa, um pouco mais de estudo, viraria Doutor.
Uma vida, ou boa parte dela, vivida atrás do balcão, vai render muitas histórias a quem viveu, vive ou viverá nesta atividade. Resumidamente o dia começa bem cedo e só termina quando o movimento do comércio diminui, sem contar os plantões.
Existem diversos tipos de medicamentos que tratam diferentes condições de saúde, os mesmos devem sempre ser utilizados sob prescrição e orientação médicas, e farmacêuticas, para evitar outros inconvenientes. Desta lista ficam de fora a linha de medicamentos bonificados (BO), aquela que a classe médica nunca ouviu falar, mas é a sua venda que paga o aluguel, os funcionários e a que mantem em dia o pagamento das duplicatas, além do mais, balconista que se preza pratica a “empurroterapia” baseada na venda do BO. A comissão recebida junto do pagamento faz o salário ir nas alturas.
Dos fatos inusitados vividos por aquele farmacêutico pode-se citar a saia justa que a cliente lhe aplicou. Em meio a grande movimentação dos clientes no estabelecimento. A cliente lhe apresentara a receita emitida por seu ginecologista. Tratava-se de um creme vaginal em que a posologia recomendada era uma aplicação intravaginal ao dia, sendo que o melhor horário seria à noite ao deitar-se, segundo orientação do farmacêutico. Este foi-lhe adiantando o preço, devolvendo-lhe a receita, emitindo a nota fiscal e fazendo o embrulho. A cliente sem nenhuma cerimônia ou ato recatado perguntou-lhe:
– O aplicador que vem na embalagem é para virgem?
O farmacêutico em sua modesta ignorância ficou surpreendido com tal questionamento. Aquela pergunta era inédita, e olha que já se iam mais de vinte anos de balcão e tubos de cremes vaginais vendidos sem nenhuma preocupação com a bitola da canícula.
Sua atitude momentânea foi inesperada, mas pelo visto foi a mais adequada, silêncio total. Tentou pronunciar alguma(s) palavra(s) mas descobriu, naquele momento, que além de todas as suas características, quais sejam: atencioso, prestativo, simpático e companheiro, também era gago.
– É…É…É…
Pôs-se a pensar em outra resposta, pois já sabia, e era obvio, que o aplicador, pelo que ele já tinha visto, e vendido, não era para virgens e nem para defloradas, era inespecífico.
Estaria disposto a perder a venda, anular a nota fiscal e desfazer o embrulho, caso afirmasse que não sabia, com certeza, se o aplicador preenchia as exigências. Seria o máximo que conseguiria fazer pela cliente, por que não estaria a suas ordens para outro assunto. Aquilo, a seu ver, era muito delicado e pessoal. Conseguiu encarar a cliente e balançar a cabeça numa negativa explicita. E agora? O que mais a cliente iria querer saber?
– E o senhor tem algum que sirva para virgem?
Desta vez ele foi mais direto e balançou a cabeça complementando com:
– Não!
Tai um nicho que ninguém tinha pensado até aquele momento, e ainda não se sabe até hoje se já tem, um segmento virgem, inexplorado. Uma farmácia diferenciada onde os aplicadores, os absorventes internos e o que mais fosse preciso estaria aberto para atender o segmento, antes mesmo de abrir.
A cliente transpareceu alguma dúvida se seguiria ou não a recomendação médica, mas antes que sua dúvida a instigasse a tomar alguma decisão, esta foi logo sanada, não pelo farmacêutico balconista, mas sim por uma outra cliente que por estar bem próxima daquele atendimento, não hesitou na intromissão.
– Menina… assim disse a outra cliente, pois a idade permitia, a intrometida teria idade para ser sua avó. – Lá na Prolabor tem, eu comprei um lá quando precisei. Prolabor era uma loja de materiais hospitalares que ficava em frente ao Shopping Marrakesh, a algumas quadras de distância do estabelecimento farmacêutico.
Se foi quando precisou, então agora não precisa mais? Sua preocupação com aplicadores para virgens não estava mais na sua lista de preocupações, pensou o farmacêutico.
– Ele é bem fininho e você terá que fazer duas aplicações para alcançar a dose recomendada pelo médico, no mais ele é ótimo, aplica o remédio e deixa tudo no lugar.
Em um caso como este em que além da necessidade de se restabelecer a saúde era também necessário preservar aquela parte do corpo intocado. Com o aplicador específico a paciente alcançaria a dose e manter a casa arrumada.
Naquele tempo a virgindade ainda era orgânica não mental. Ouvia-se dizer que existia uma cirurgia para recompô-la, só não se sabia até quantos pontos seriam necessários. Era um procedimento caro e por isso não oferecido pelo INPS. As candidatas pobres a miss pureza tinham duas opções: ou passavam pedra ume, aquela que barbeiro usa para estancar ferimento de barba ou entravam em um curso de teatro, para melhor tentar convencer o felizardo. O “ai”, da hora “H”, teria que ser convincente, acompanhado da performance de contrações de dor e algumas lágrimas escorridas.
O farmacêutico, diante da opção oferecida e por ele não intermediada, ficou sem ação ao tomar conhecimento da já exploração do segmento inexplorado.
-O que o senhor acha? Perguntou a prescrita com creme vaginal ao farmacêutico.
Ele teria dito que nunca tinha usado, mas disse apenas que para ele era novidade. Subestimou a capacidade do aplicador causar algum dano orgânico ou moral e reconheceu a preocupação da cliente para com seu estado de pureza. Disse que era relevante a exigência e que, por sorte, ao saber da opção, revelada pela outra cliente, fosse até o outro estabelecimento e adquirisse, só não fazia ideia de quanto custaria.
Motivos para tais preocupações eram resultados de uma sociedade machista, que exigia a pureza, no tocante a castidade somente de uma das partes que contraiam matrimônio. A paciente, do creme vaginal com aplicador para virgens, diante do imbróglio provocado pelo reconhecimento do rompimento da membrana, teria que dizer que tinha sido um simples aplicador de creme vaginal e que depois do tratamento, que durara dez dias, teria destruído o atrevido e com isto tentado se justificar pelo infortúnio.
Que disputa desigual, pensariam moçoilos exigentes, haveria de perder a primazia para um aplicador. Mas o que seria um reles aplicador que nem pôde se gabar desta façanha. Sair contando a outros pares seria impensável.
Moças que se preservam sonham com um príncipe encantado. Casos parecidos, com histórias envolvendo príncipes e aplicadores viraram notícias, como foi o caso de Principe Charles flagrado em conversa telefônica grampeada, na qual confessava à sua, então, amante e hoje vossa alteza, Camila Parker, a irreprimível vontade de ser seu Tampax. Camila poderia oferecer-lhe o ofício de aplicador que ele também aceitaria com certeza. Aplicador e absorvente interno possuem modus operandi semelhante e talvez por isso a preocupação da cliente virgem confessa fosse com o ciúme causado, ao seu príncipe, em caso de ter usado um aplicador convencional, daqueles que a deflorariam.
Outras oportunidades vieram para que o farmacêutico se lembrasse do ocorrido, mas nunca se atreveu a oferecer como complemento da venda um aplicador específico.