UM TRABALHO MONÓTONO

UM TRABALHO MONÓTONO

Uma coisa de que farmacêutico não pode reclamar é de monotonia. Em farmácias comerciais, acontece, praticamente, de tudo. Todos os dias, uma novidade; isso capacitava os atendentes para buscar, no repertório vivido, melhor atender a clientela.
Uma vez, uma cliente levou um cachorrinho moribundo, para ser consultado. Apesar de ser de estimação, o bichinho penava pelo descaso. A princípio, o farmacêutico resistiu. Onde já se viu, o seu negócio era cuidar da saúde humana, ela que arrumasse dinheiro para levá-lo a uma das poucas clínicas particulares de veterinária existentes na interiorana capital, as quais prestavam atendimento a pequenos animais, e se entendesse com o veterinário. Felizmente, ele não teve coragem de dizer isso; principalmente, depois de ver a penúria animalesca daquele par de olhinhos saltados, os quais ficaram de fora do embrulho da manta emprestada por um de seus donos, que, talvez, fosse um dos filhos da cliente. Isso o fez mudar de ideia. Como apresentava uma infestação de carrapatos, exagerada perda de peso e de pelos, chegou a um diagnóstico e falou que o remédio teria de ser comprado na loja agropecuária, pois pet shop nem existia. Poderiam comprar a dose prescrita, que ele aplicaria. Era um remédio para gado, especialidade das lojas do ramo; mas, na dose certa, seria o indicado para resolver o problema do pequeno animal. Outro procedimento adotado pelo farmacêutico foi aplicar um frasco de glicose, por via subcutânea, para reanimar o bichinho, enquanto o medicamento da agropecuária não chegava. Passados alguns meses, a cliente apareceu no estabelecimento, com sua mascote, o bichinho recuperado, forte, robusto e de pelo brilhoso, resultado da intervenção farmacêutica e de um mililitro(ml) do remédio chamado Aribamec.
Depois do êxito desse atendimento, a clientela canina aumentou vertiginosamente. Um outro caso bastante comum, e uma das especialidades dos balconistas, era o bicho-de-pé. Se alguém só ouviu falar dele, talvez não tenha conhecimento da sintomatologia de uma infestação instalada. A coisa dói e coça. Ela é resultado da negligência no asseio, nas casas que abrigam animais de estimação com pulgas, principalmente. Apesar de todos os cuidados, o cliente aparece na farmácia e mostra o dedo do pé (local de maior infestação e daí o nome) avermelhado, inchado e com aquele pontinho preto, louco de coceira e afoito para enterrar a unha no local e, de lá, arrancar a causa do sofrimento. Ao chegar ao estabelecimento, ia dizendo que alguém o havia recomendado pelos préstimos do farmacêutico e que, se o balconista não resolvesse, ele iria procurar um posto de saúde, apesar de dizer, aos quatro cantos, que não acreditava em médicos, ainda mais para tratar bicho-de-pé. Esta afirmação ele poderia reconsiderar se, por acaso, um médico o retirasse daquela situação; mas, por enquanto, o farmacêutico estava mais próximo e, por isso, a preferência. O farmacêutico fazia uma pequena incisão com uma afiadíssima lâmina, metonimializada de Gilette, e, de lá, extraía-se um colar de contas, com os ovos do bichinho. O preço pelo serviço? O custo do material, ou seja, o equivalente a uma lâmina de barbear, daquelas antigas, que ainda se encontrava à venda no estabelecimento e, às vezes, só para esse tipo de atendimento. Depois daquele “sofrimento” terapêutico da incisão cirúrgica, o paciente experimentava a melhor sensação do mundo. Aliviado instantaneamente da sintomatologia, que além da dor era acompanhada daquela coceira, o paciente respirava satisfeito.
Retirar miçanga do ouvido, espremer furúnculo até arrancar o “carnegão”, entre outros, agitavam, também, o expediente daquela interiorana farmácia, coisas que, apesar da trabalheira e da pouca remuneração, traziam muita satisfação.

(Visited 22 times, 1 visits today)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *