A água Lindóia foi para o espaço!

A água Lindóia foi para o espaço!

Antes de se cunhar a célebre frase “pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”, um dos astronautas, ainda em terra, teria dito outra que não entrou para os registros da história: “sem apuro, sem sede”.

A contagem regressiva já havia se iniciado quando um dos tripulantes da nave espacial questionou se alguém havia trazido umas garrafas de água mineral. Como a resposta foi negativa e as justificativas as mais variadas, não deu outra, a contagem foi interrompida. Dane-se esta corrida espacial.

– Michel vai buscar!

– Mas por que eu?

– Sem perguntas, você nem vai descer na lua e ainda fica aí de má vontade.

– Está bem. Com gás ou sem gás?

– Para mim sem gás! Respondeu Buzz Lightyear.

– Para mim pode ser com gás, solicitou Neil. Tome aqui, acho que dá para trazer umas três garrafas de 500. Me traz o troco!

Um bom astronauta está sempre prevenido. Em sua carteira, além dos documentos pessoais, havia uma certa quantidade em dinheiro, costume de quem sai em viajem. Dinheiro em espécie para uma eventualidade. Neil chegou pensar em levar um talão de cheques com vinte lâminas, mas duvidou da evolução do sistema financeiro espacial. Com o advento dos cartões tudo seria facilitado.

Ao abrir o compartimento e colocar-se para fora da nave o astronauta encarregado de buscar água perguntou ao sinalizador da pista se sabia onde poderia encontrar água mineral, com gás e sem gás, àquela hora.

O sinalizador lhe indicou o portão de entrada da Base de lançamento, onde estavam aglomeradas uma multidão que acompanhava o lançamento.

– Lá, mostrou-lhe apontando, eu vi um ambulante com um isopor, quem sabe ele ainda teria alguma.

– Ok. Obrigado. Segura essa espaçonave no chão. Avisa o pessoal que não demoro. Não os deixem partir sim mim.

Michel não poderia faltar naquela missão. Precisariam de alguém para ficar em órbita na lua enquanto os outros astronautas estivessem em solo lunar. Ele ficaria sozinho, longe dos holofotes, com a bíblia e o terço nas mãos. Seu microfone estaria cortado e se, por acaso, perdesse o controle emocional poderia até chorar e chamar pela mãe, que não seria nenhuma vergonha.

Aquele programa especial norte-americano sofreu um ligeiro atraso e por pouco os russos não chegaram à lua antes, mas antes atrasados do que com sede, pensou Neil.

Com aquelas roupas de astronauta, ficava difícil acelerar o passo no caminho do cabo até onde Michel imaginou encontrar água. Quando se aproximou do portão, foi um alvoroço. As pessoas queriam ver de perto um astronauta à caráter. Sorte dele que a cerca de arames farpados aguentou firme e o manteve em isolamento.

Naquele momento as pessoas do aglomerado se perguntavam: alguém bateu uma foto? Pois uma máquina fotográfica naquele tempo era coisa rara, só o pessoal da imprensa, mas eles estavam com suas lentes direcionadas para a nave e um astronauta comprando água pouco interessava, por isso nenhum registro.

– Mê de uma água mineral! Gritou o astronauta para o primeiro ambulante que viu com um isopor nas costas. Percebeu que o vendedor permaneceu indiferente, então ele resolveu retirar o capacete e repetir a solicitação.

– Uma é três, quatro é dez!

– Quero com gás e sem gás.

O maior problema  foi quando os outros ambulantes concorrentes começaram matar a pau aquela transação comercial intergaláctica.

– Na minha mão está mais gelada.

– Na minha está a mais saborosa.

– Na minha o pH é mais neutro e o índice de radioatividade é o mais adequado para quem pretende chegar à lua.

Ouvindo isto o astronauta, ficou encabulado: que porra era aquela de índice adequado de radioatividade? Quis saber ao perguntar ao ambulante, um imigrante ilegal que ganhava a vida como ambulante nas imediações do lançamento. Era um brasileiro, coisa rara por lá naquele tempo.

– Esta água vem lá de perto da minha terra, Governador Valadares. Vem de Lindóia. Quem recomendou esta água foi uma tal de Maria Quiri. Ela esteve por lá vinda da Europa. Disse que igual não há, melhor não existe.

– Taí meu brother, já ouvi falar desta Maria Quiri, se ela falou que é boa e porque é da boa. Como você conseguiu trazer de lá?

– Oh! Seu astronauta. Eu fiquei sabendo que a Nasa andou comprando umas garrafas por lá e disseram que era para mandar para o espaço. Como eu estava de viagem para cá resolvi trazer umas garrafinhas.

– Então a Nasa já comprou?

– Só não sei se chegou a tempo de embarcar, mas que comprou, comprou!

– Por via das dúvidas, me dá umas garrafas. Quanto é?

– Como o Senhor não trouxe os cascos, tem que deixar um depósito. Quanto voltar do espaço me traz as garrafas que devolvo o valor.

– É ruim hein! O Senhor acha que eu vou deixar as garrafas por lá, ainda mais com este depósito exorbitante para ser ressarcido.

– O seu astronauta…

– Collins, Michel Collins!

– Pois então… quando voltar, me dá uma força para obter o Green Card. Eu sei fritar hamburger, não preciso ficar nesta dureza, carregando isopor nas costas…tem um emprego me esperando na frente da embaixada brasileira lá em Washington “Deci”. 

– O Green Card vai ficar mais fácil quando o Donald, o pato, for presidente. Até lá você ainda vai vender muita água mineral com índice adequado de radioatividade para quem for para a lua.

Atendida a encomenda pôs-se o solitário astronauta a caminho do embarque. Estaria levando um quebra-galho para matar a sede. Quanto menos líquidos consumissem, melhor, por que o compartimento destinado para o xixi dos astronautas não era muito grande e de vez em quando teria que ser esvaziado. Por isso ninguém viu algum deles com as mãos na cintura correndo para trás da nave, quando estavam na lua.

Por fim a contagem regressiva foi iniciada e mais alguns instantes os três estavam dando tchauzinho pela janela a caminho da lua.

P.S. Sobre a aquisição das garrafas de água mineral de Lindóia, sabe-se que o comprador pagou em dólar e pediu a nota fiscal, em nome da Nasa, com CGC e endereço norte-americano. O acontecimento passou despercebido. Segundo o vendedor aquilo era algo corriquiro. A todo momento aparecia alguém comprando água para enviar para o camarim da Jovem Guarda, numa tal de TV Record.

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