MARROM

MARROM
Sóris Aires
Tinha ido buscar as crianças na escola. Como adiantar-se pode encontra-las ainda finalizando as atividades. Teve, depois anunciar-se na portaria, que atravessar o pátio onde outras crianças aproveitavam-se de algum intervalo e despretensiosamente corriam e gritavam freneticamente na característica trilha sonora de uma escola infantil. Passou pela portaria e ao buscar a sala onde suas crianças estavam se deparou com algo inusitado, inesperado, um corpo estendido em um pequeno palco onde algumas vezes assistira a manifestações culturais.
O corpo que lhe tomara a atenção, estivera sentado à beira acompanhando alguns outros pequenos que faziam parte da algazarra. O envolvimento daquele corpo foi tanto que na tentativa de acompanhar o rodopiar deles, acabou se deitando de costas com as pernas dobradas no beiral. O vestido azul estampado com flores brancas não foi suficiente para esconder sua intimidades. A calcinha sobressaiu-se ao que ele pode identificar de um corpo feminino que ele ainda não tinha visto por lá. Disfarçou como pode a embaraçosa visão convidativa. Ficara com um olhar no peixe e dez no gato.
Por medidas pudicas fez-se de indiferente e continuou o trajeto. Ao retornar da sala, agora com as crianças, buscou reencontrar o atrativo visual estendido. Ela havia se recomposta e se encontrava agora a alguma distância de onde pode, agora não mais disfarçando, varrer-lhe com os olhos de cima a baixo. Como a primeira impressão é a que fica, guardou-a para compara-la ao que via agora. Jovem, talvez tia dos inquietos, cabelos lisos pretos soltos, vestido solto contornando as curvas, curto, que deixava aparente meia-coxa abaixo e suas pernas torneadas, brancas. Fez-lhe um gesto acenando o inseparável chapéu que ela prontamente respondeu com um sorriso tímido. Teria sido proposita, a descompostura? O que estaria ela ali fazendo? De onde viera se nunca a tinha visto?
Depois conseguiu certificar-se de que estava acompanhando alguém que ela já conhecia, e que chegara pouco tempo depois dele. A senhora, mãe dos pequenos que com ela estavam, fora vista por ele estacionando bem próximo dele. Logo após atravessar o pátio e se desvincular daquela visão, reconheceu que estava logo após ele.
Ao sair da escola cumprimentara aos que estavam por ali e ao se encaminhar para o estacionamento, coincidentemente o grupo onde ela, a do vestido curto azul estampado com flores brancas, estava também. Percebeu que a mãe da criançada, agora bem próximo dela, lhe dirigia algumas palavras e ambas olhavam para sua direção, como quem estivesse cagoetando-o sobre o seu infortúnio. Ela, pelo que pode perceber, lhe lançara um olhar desafiador, como quem diz: – O que é que tinha visto? Ele divagou um pouco mais antes de preparar alguma resposta e achou que ela poderia ter lhe perguntado se não queria ver o resto, o por trás do enchimento? Divagava enquanto manobrava o carro, depois de afivelar os cintos de segurança, o seu e o das crianças. Houve uma curta, mas intensa, troca de olhares provocativos ou quem sabe convidativos. Haveria outra oportunidade?
Antes de arrancar, e ganhar a avenida, aproveitou-se daquela fitada que ela lhe investia e gesticulou-lhe com os lábios algo que ela instantaneamente compreendeu, sorriu e ficou como o sonetista H. Pimenta sobre sua primeira obra que não recebeu retorno da crítica: Gostou? Nào gostou?
– É marrom!
(Visited 3 times, 1 visits today)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *