Ligo a ignição e, antes mesmo do motor acordar direito, o rádio já está de pé, animado. Parece até mais disposto do que eu. Toca a última estação sintonizada — o carro tem memória melhor que a minha.
Meu roteiro musical é simples: UCDB FM, Educativa UFMS e Morena FM. Quando estou sozinho no carro — o que significa “sem interferências externas” — faço um verdadeiro tour entre as três. Cada uma tem seu horário de reinado. Às sete da manhã, é a Débora na UCDB. Já sei até as vinhetas de cor. Aos sábados, cedo, a Educativa UFMS vem com programas sobre educação. Aí, dependendo do assunto, ou aprendo alguma coisa… ou desligo e finjo que aprendi. Fora desses horários, quem manda é a Morena FM, minha velha conhecida.
Desconfio seriamente que o programador da Morena tem a mesma idade que eu. As músicas entregam: We Are the World, Tears for Fears, Phil Collins… é praticamente a trilha sonora da minha adolescência em reprise. Hoje mesmo, tocou We Are the World, e me peguei lembrando daquele tempo em que todas as rádios resolveram tocar essa música ao mesmo tempo. Mudasse de estação, lá estava ela, triunfante. A ONU da música pop.
Outro dia, tocou Tears for Fears. Descobri — com ajuda do Google Tradutor e do meu filho — que quer dizer “Lágrimas por Medos”. Ele ainda me corrigiu a pronúncia, com aquele ar de quem está ensinando o avô a mexer no celular.
Em casa, a situação é mais tecnológica. A Alexa comanda o som, a luz e, quando deixo, até minha paciência. Tentei sintonizar uma rádio local, mas ela insiste em colocar a CBN de Maringá. Já desinstalei, reinstalei, implorei — nada. Concluí que a Alexa gosta de Maringá, e quem sou eu para discutir com uma assistente virtual?
No fim das contas, percebo que continuo refém das ondas do rádio, só que agora em versão 5G. Troquei o chiado da antena por “Desculpe, não entendi o que você disse”. E o pior: a Alexa ainda fala isso com educação.