Até que a falta de sorte vos separe

Até que a falta de sorte vos separe
Aloizio
Naquela quarta-feira, como religiosamente faziam, estariam novamente presentes à novena das quinze horas. Obrigação de uma promessa por uma graça, já alcançada, inclusive. Por causa disso fariam esforços redobrados como o de torcer para que o combustível do automóvel, que era de uso de toda família, que estava beirando a reserva, desse para chegar no horário.
Não poderiam perder mais tempo, iriam direto ao santuário e depois, de cumprida as obrigações religiosas, passariam no Posto Piloto, que era o mais próximo, e abasteceriam com o equivalente ao numerário disponível. Minguados trinta reais, o suficiente para o retorno, conforme cálculos do devoto. Depois, em casa, com o carro na garagem esperariam o próximo pagamento que viria com uma parcela do décimo, e abasteceriam o utilitário a contento. Por enquanto a obrigação seria chegar à novena da padroeira, as quinze, e cumprir a promessa.
Lá chegados, depois de muito “Louvando a Maria”, o povo fiel, que nunca se viu desamparado, se pôs a ouvir os avisos e esperar pela benção final da Mãe do Perpétuo Socorro.
– A Associação convida todos a colaborarem com as obras de caridade, dizia o padre. Hoje é o ultimo dia para adquirir os números para o sorteio de um veículo zero quilômetro, continuou dizendo, antes do “ide em paz”.
A devota sentiu-se tocada pelo espirito caridoso e quis, só para ajudar, colaborar com a obra. Ela mesma não tinha os vinte e cinco reais, equivalente ao ato concreto de sua caridade, para comprar um número da rifa, mas o marido, o devoto, tinha os trinta, só que destinado ao combustível do veículo, que, a essas alturas, estava pra lá da reserva.
A devota resolveu ignorar os apelos humanitários e se conformar com o desprovimento momentâneo, quem sabe em outra oportunidade… mas, aquele era o último dia e se sentia omissa para com a obra.
– Segure a minha capanga. Vou ali vertê e não me demoro, solicitou o marido devoto, quando se encontravam no Centro de Apoio, à caminho do estacionamento.
A devota, que ainda não se conformara com a má sorte de não ter o numerário equivalente ao ato concreto, olhou para a bolsa acessível, e por que não dizer tentadora, do marido e não titubeou, arrancou de lá os trinta reais. Como estava bem próxima às Filhas de Maria, foi lá e concretizou a caridade.
– Pode preencher e depositar na urna, informou a voluntária. O sorteio será pela Loteria Federal, conclui.
A apressada devota ficou em dúvida se colocaria em nome de Romualdo Lima ou de Auxiliadora Nantes Lima. Decidiu-se pelo devoto, e seja o que Deus quiser. Postou na urna e retornou para sua posição inicial.
No Carro os assuntos seriam outros, algo que desviasse de “abastecimento de combustíveis”.
Má sorte da devota, quando se viu encostando junto à bomba.
– Mas para quê? O que tem dá para chegar em casa! Falou, em tom já quase desesperador, a devota aflita.
– Põe trintinha, é o que tenho! Solicitou o devoto entregando a chave ao frentista.
– Trinta não é muito! Perguntou a devota
– É o que tenho!
– Certeza?
– Sai de casa com… estava aqui…cadê? Só tem cinco. Cê não viu muié?
– Eeeeeu? Não! Falou convicta devota.
– Prontinho chefia, aqui está a chave.
E aqui não esta o dinheiro.
– Só um momentinho… Estava aqui quando sai de casa. Uuué, só tem os cinco mesmo, cadê o resto?
– Sumiu? A devota tentou representar uma cena.
Ela, por sua formação moral e religiosa, não sustentaria aquela situação por muito tempo e foi o que aconteceu: entregou os pontos. Abriu o jogo!
– Comprei uma rifa com o dinheiro.
– Ãhhhhhhh!
– Isso mesmo. Gastei seu dinheiro na rifa. O dinheiro do abastecimento!
– Cê ficou louca? E agora?
– Devolve o combustível.
E agora devoto? Que situação. Só tinha cinco para pagar uma conta de trinta. Aquela não era uma boa hora para se desculpar com o frentista e dize-lhe que houve um engano, que não tinha dinheiro, que não tinha cartão, que o dinheiro ficou em casa em cima da geladeira, que…comprou uma rifa.
– Aceita rifa como pagamento?
– Só se for contemplada chefia. Ironizou o frentista.
– Tô falando sério. Eu tenho cinco reais em dinheiro e vinte e cinco em rifa, aceita?
– Aqui doutor, é dinheiro ou cartão, rifa ainda não.
– A voluntária que me vendeu disse que era a contemplada…Pode aceitar! Enfatizou a devota.
– Elas dizem isso para todos, retrucou o devoto. A verdade é que não temos nem dinheiro nem cartão. Dá pra desabastecer?
Neste instante a devota teve uma ideia:
– O senhor pode esperar um tempinho? Sugeriu a devota abrindo a porta da Belina Meio Velha (a BMW), saindo com a rifa na mão.
Enquanto isso o frentista confiscou a chave do chefia e empurrou o auto para fora da bomba. Se os trintinhas não aparecerem, nada de chave.
A devota saiu desesperada oferecendo a rifa pra deus e todo mudo, nunca imaginou-se numa situação como esta.
– O senhor não quer colaborar com as obras das Filhas de Maria…e comigo também? Batia de carro em carro que estacionavam parar abastecer no Posto.
Sem êxito.
– “Só tenho prô abastecimento, se te ajuda desinteira”, se justificava o atento, não se sabe se devoto, acompanhado da esposa.
Como a situação não se resolvia o frentista resolveu “chupar” o combustível de volta, deixando o equivalente para o retorno.
Em casa o devoto discorreu a ladainha dos incrédulos:
– Eu nunca acreditei em rifa, nunca tive sorte, nunca ganhei nada, isso e a maior enganação. Como é que você ainda cai numa dessas? Perguntou para a devota, sua esposa. Da próxima vez faça contas. Posto de gasolina não faz caridade, Ô contemplada.
E desta forma passou a trata-la dia após dia, inclusive depois do sorteio.

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