O Anjo Gabriel esteve atribulado por aqueles dias, com o firme propósito de anunciar a uma virgem a concepção de um menino — o Filho de Deus.
Relatos nos dão conta de três aparições do anjo: a Zacarias, a José e a Maria. No caso de Zacarias, o anúncio parecia, à primeira vista, menos trabalhoso. Atendia-se a uma súplica antiga: tornar fértil Isabel, sua esposa já avançada em anos. O maior desafio não era a gravidez em si, mas convencer Zacarias de que aquele filho não seria apenas resposta a um pedido pessoal — ele anunciaria a chegada do Messias, do qual Gabriel era mensageiro.
A missão seguinte, porém, era mais delicada. O anjo deveria entregar a concepção do Filho de Deus a uma virgem. A escolhida, ao aceitar engravidar por obra do divino sem ter contraído núpcias, incorreria em grave pecado, passível de apedrejamento. Algo que só seria minimamente resolvido com o envolvimento de mais alguém disposto a cumprir sua parte na empreitada: José.
Se José se negasse, Gabriel teria de buscar algum parente, para que se cumprissem as Escrituras sobre a descendência de Davi. Antes disso, porém, insistiria com ele — seria menos trabalhoso. Afinal, já estavam em 25 de março. Buscar outra virgem significaria duplicar o esforço: convencer novamente uma escolhida e, depois, um noivo.
E não seria simples encontrar quem aceitasse. A aceitação da virgem estaria condicionada às suas próprias escolhas. Algumas poderiam dizer não por razões diversas. Talvez condicionassem o sim à escolha do noivo — e Gabriel torceria para que fosse alguém da linhagem correta. Outras estariam ocupadas; uma gravidez, com parto no final do ano, definitivamente não entrava em seus planos. Haveria ainda quem recusasse pela data do nascimento: quem nasce nessa época raramente recebe presente de aniversário separado das comemorações. Outras não aceitariam o milagre; prefeririam um ato natural, como qualquer mortal, seguido da busca pela remissão do pecado. Sendo o pretendente fixo, ainda haveria espaço para arquitetar uma conspiração — isso, claro, se não se tratasse do Filho do Altíssimo.
Certo é que o anjo Gabriel foi incansável. Ele também acreditava nas profecias e torcia para que tudo se resolvesse o quanto antes. Se demorasse mais, os presentes das comemorações não contariam com a segunda parcela do décimo terceiro; se avançassem para o mês seguinte, competiriam com os IPs da vida.
Até que, enfim, Gabriel encontrou Maria.
Ela não disse “não”. Mas também não disse “sim” de imediato. Olhou para o anúncio com a lucidez de quem compreende o peso da proposta e perguntou, com a simplicidade que nasce da verdade:
“Como é que vai ser isso, se não conheço homem algum?”
Não era resistência, tampouco barganha. Era consciência. Maria não questionava o poder de Deus, apenas situava sua própria condição. Seu questionamento não fechava a porta ao mistério; antes, abria espaço para que ele se explicasse. Ao ouvir que não se tratava de obra humana, mas do agir do Altíssimo, Maria consentiu.
Aceitou que nela se fizesse segundo a Palavra.
Ademais, José — homem íntegro — teve de passar por cima de seus conceitos, seus medos e sua compreensão imediata da justiça, para aceitar o convite de unir-se a Maria e participar do desígnio.
No fim, Gabriel compreendeu aquilo que nenhuma urgência celestial podia apressar: a salvação não se cumpre por atalhos, mas por consentimento. Não bastava encontrar uma virgem, nem alinhar datas, profecias ou genealogias. Era preciso encontrar alguém capaz de dizer “sim” sem garantias, sem contrato, sem aplausos — apenas confiando.
Maria não pediu tempo, não negociou cláusulas, não exigiu provas. Seu sim não nasceu da pressa, mas da fé. Um sim que não anulou o risco, apenas o entregou a Deus.
Gabriel, enfim, descansou. A Palavra tinha onde habitar. O impossível encontrara abrigo no cotidiano. E quando, nove meses depois, o céu se abriu sobre os campos de Belém, não foi para anunciar um plano bem-sucedido, mas um amor aceito.
Porque, desde então, toda a história se move não pela força dos anjos, mas pela coragem de quem, como Maria, ainda ousa dizer:
“Faça-se em mim segundo a tua palavra.”