O homem mais honesto do mundo
Depois de muitos contratempos estive com meu tio Argemiro. Com seus 80 anos, lúcidos e bem-disposto, agora com movimentos limitados a uma cadeira de rodas. Minha prima Arlene, sua fiel guardião, é quem toma conta dele, levando-o em sua peregrinação pelos hospitais, auxiliada pelos outros primos, Adimilsom, Dilson e Milson.
Meu tio mora a 26 anos no mesmo endereço, na Nova Campo Grande, em rua ainda não asfaltada e que em dias de chuva não é mais alagada graças a um dique que construiu no entorno da casa. Eu farei 20 anos na Eline, sendo portanto seu vizinho a todo este tempo.
Gosto de visita-lo. Ele é uma caixa de memórias com dados precisos, capaz de causar inveja a qualquer CPD. A começar pelo questionamento de todos os meus. E a Laurinha, o Miguel, a Luzinátia? Pergunta-me. A partir dai faz a chamada do resto da parentaia, com a relação dos nomes que muito poucos ficam de fora. Convida a todos para que estejam com ele em um almoço de domingo, que até o momento ainda não ocorreu. Se eles não puderem vir, venha você! E eu lhe prometo para uma próxima oportunidade, mas que ligarei com antecedência.
Conto-lhe das novidades e a partir de uma delas ele aproveita o gancho e traz à tona um dos inúmeros causos pelo qual já passou. Perguntou-me se eu estava em férias, como elas estavam e se tinha viajado? Contei-lhe que havia dado uma espichada até o Estado de São Paulo, mas tinha sido bem rapidinho, o suficiente para o ladrão entrar em casa. Mas nem me diga! Espantou-se ele. E ninguém viu nada? Sabe como é meu tio, o cara é ladrão, vive disso, sabe como fazer as coisas. Disse-lhe que, apesar das câmeras, da cerca elétrica, dos cachorros do vizinho, nada evitou o prejuízo. Nessas horas se aparece alguém com um trinta na cintura, finaliza um CPF com sucesso. Mas nunca acontece como a gente quer que seja, não é mesmo Aluízio? Tem hora que revolver faz uma falta!
— O Senhor tinha uma máquina, eu me lembro… uma vez nós atravessamos, de bicicleta, aquela área onde hoje é o Fort, ao lado do Cemitério. Cutuquei ele para a partir dai iniciar a viagem ao passado.
— Eu também me lembro! Disse meu tio mostrando todo ímpeto de lucidez. Cruzei muito aquele trecho, e de madrugada, no tempo em que entregava pão! Saía antes das cinco, quando não era de carroça, era de cargueira. Corria o trecho e voltava com a bolsa cheia de pagamentos, que eram em dinheiro e em cheques, sempre acompanhado do “Chimit” engatilhado. Aquelas trilhas eram muito traiçoeiras. Numa daquelas curvas podia ter alguém te esperando para aprontar alguma, sem falar nas desovas que aconteciam por lá, era muito perigoso, mas era um bom atalho.
Depois que atravessava todo aquele trecho perigoso, passava na Padaria (Estrela, ao lado do antigo Cine Estrela) e entregava tudo. Era um alívio. Nunca perdia um tostão. Exaltava-se ele de sua façanha. Ele, um cabo velho reformado da PM, gabava-se de ser disciplinado.
— Pra dizer a verdade, uma vez eu deixei cair mina bolsa com os pagamentos. Vinha eu pela rua Dos Andradas, na esquina da Duque de Caxias, onde havia uma bicicletaria, onde tive que dar uma calibrada nos pneus. Depois que segui o destino algumas quadras à frente senti falta da “capanga”. Logo dei meia-volta, com destino à bicicletaria, para ver se não tinha ficado por lá, mas para minha surpresa vinha de encontro a mim um outro bicicleterio com a minha bolsa perdida. Moço, moço! Chamei-lhe a atenção e fui dizendo-lhe que aquela bolsa era minha, que havia caído da garupeira!
— Será que é sua mesmo? Vamos ver: o que é que tem aqui dentro? Perguntou o bicicleteiro com a bolsa nas mãos.
— Ai dentro tem um revolver 32, uma faca, CR$ 6.000,00 (seis mil cruzeiros), CR$ 3.800,00 em dinheiro e CR$ 2.200,00 em cheque. Pelo desespero, acabara de entregar o ouro ao preponente sortudo, pensou ele sobre a besteira que acabara de fazer. Se ele não quiser devolver vou ter que sair no braço com esse sujeito.
O bicicleterio abriu a bolsa conferiu por cima, nem conferiu os valores e nem o calibre do revólver. Fechou-a e entregou a ele. É sua mesmo, toma! Disse-lhe passando a capanga. E quanto lhe devo? Perguntou meu tio ao homem mais honesto do mundo que ele acabara de encontrar. Não era nada! Mas como? Então vamos ali, quero lhe pagar um refrigerante! Prontamente aceito, foram juntos ao bolicho que ficava ao lado da bicicletaria. Depois de tomarem a Tubaína, seguiram juntos uma boa parte do trajeto, pois os dois estavam indo para o mesmo rumo.
Depois do susto, acho que desisti da ideia de continuar entregando pão. O prejuízo ia ser grande.
— Depois disso fui furar poço! Com esse que está aí nas suas costas, completei 120 furados, e acho que todos estão em funcionamento até hoje! Emendou o assunto, se referindo a outra faze em sua vida.
01/2019
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