Meu tio Argemiro

Meu tio Argemiro

Ele nasceu em Terenos, no tempo em que a cidade era distrito de Campo Grande, em 1938. Seu pai, seu Juvêncio, o registrou no Cartório Santos Pereira. A família mudou-se e por aqui se instalaram na Vila Planalto, sito a rua Saldanha da Gama esquina com Ipiranga, segundo me disse. Lembro-me da casa de esquina onde havia um grande ingazeiro, mas ficava na esquina da Saldanha da Gama com Silvio de Andrade. Por lá estive, quando não de passagem, para uma visita junto com meus pais. Junto à casa o seu Juvêncio mantinha uma vila de casas de madeira, onde as que não eram alugadas eram ocupadas por um de seus entes.

Tio Argemiro ingressou na Polícia Militar do Estado de Mato Grosso em fevereiro de 1959, assim como já haviam feito outros três irmãos e ocuparam patentes diferentes, sendo um soldado, outro cabo, outro sargento e um tenente. Passou por quinze dias de treinamento e depois de ser engajado executou serviços de guarda em quartel, escolta de presos, patrulha e guarde em cadeia. O quartel do 2ºBPM ficava na rua 25 de Dezembro, em frente à cadeia pública, onde hoje fica o Fórum. O Ano foi carregado de serviço. A escala era apertada. Todos os dias tinha serviço. Foi destacado para servir em Três Lagoas, mas logo requisitado para voltar, para preencher a escala. Em dezembro daquele ano sofreu um acidente em serviço. Naquele dia foi destacado para vigilância em um parque, onde hoje fica a Gráfica Alvorada, onde acontecia uma festa popular. Ao ouvirem tiros oriundos da parte de cima do parque, lembrando que o local ficava na baixada da Maria Coelho, o sargento da guarnição, destacou dois a dois para identificarem a origem dos disparos. Depois de identificarem o local como sendo um bar na esquina da Noroeste, para lá se deslocaram, e ao fazerem a abordagem nos suspeitos, estes reagiram iniciando uma troca de tiros. Meu tio foi alvejado com dois tiros calibre 22, um atravessou a barriga e se alojou na coluna, e lá permanece até hoje, outro atingiu-lhe a perna. Este foi retirado em cirurgia pelo Dr. Marcílio de Oliveira. Seu Tempo de PM em atividades se prolongou por mais dez anos, entre licenças médicas e atividades policiais executadas a duras penas. Em 1969 o então governador Pedro Pedrossian assinou sua reforma como cabo.

No tempo em que aguardava sua reforma, visto que dificilmente executaria a atividade policial, teve vida social intensa. Namorou bastante, conheceu vária pessoas. Seu Pai tinha no mesmo endereço em que moravam, um bolicho. Certa vez Zé Correa com sua sanfona de 80 baixo tocou junto com seu pai no estabelecimento. Frequentou, como aluno do noturno, o Grupo Escolar José de Anchieta, onde veio a conhecer sua futura esposa, Maria Aparecida.

Tia Maria era irmã de meu pai, Anízio Soares, e passou a morar em casa (eu ainda não era nascido), na rua Benjamim Constante, 165, na rua paralela à do Coleginho (Anchieta). Outro irmão de meu pai que também morou em casa foi Justino, Justo, que não tivemos mais notícias. Tio Argemiro e tia Maria iniciaram um namoro, e como todo bom cavalheiro, meu tio a levava até o portão de casa, sob os olhares dos parcos vizinhos. Quem os acompanhava, também, era o pequeno Valdemir, sobrinho de meu tio, filho de sua irmã Ivanir. Surgiu um boato de que meu tio era casado e que o menino era seu filho. O assunto chegou logo aos ouvidos de meu pai que imediatamente desaprovou o namoro. Não ficava bem uma moça, sua irmã, se enamorar com um homem casado. Tia Maria bem sabia da história, sabia que tudo era boato, inclusive levou tio Argemiro para colocar tudo em pratos limpos em uma visita que fez ao meu pai, que mesmo assim ainda não se convenceu.

Tia Maria deixou a casa de meu pai e foi morar com a família de meu tio. Tio Argemiro não querendo saber de mais confusão, pois poderia até ser preso se meu pai o denunciasse, fez logo a proposta de casamento para minha tia Maria. Haveria um porém, para que o casamento se consumasse. Meu tio era soldado da PM, em vias de ser reformado, e, naquele momento, não poderia contrair núpcias, até que o governador assinasse a papelada. Todos os papeis indicavam que a reforma estaria certa, era só uma questão de tempo. A saída encontrada foi ir a uma delegacia e elaborar um termo de conduta, na qual meu tio se comprometia a contrair núpcias assim que a reforma saísse. Feito o termo meu pai foi citado para comparecer à delegacia, e junto ao delegado, tomar ciência da situação. Ele assinou concordando, mas quando ocorreu a cerimônia de casamento, ele não compareceu. Fato que só o tempo pode superar.

Outros parentes que, também, não estavam de acordo foram dona Benedita e seu José Curie. Minha tia morou com eles quando mais nova. Acho que meu tio não quis saber de choradeira. O que seria deles hoje?

Com algumas economias, meu tio construiu um “rancho” no bairro Santo Amaro e para lá se mudaram em 1966. Em 67 chegou o Milson, em 68 o Adimilson, em 71 o Dilson e em 74 a Arlene. Morou, também com o casal o sobrinho Valdemir.

Duas tragédias semelhantes aconteceram na família de meu tio. Um de seus irmãos, agricultor, morador de Jaraguari, casado, se apaixonou pela cunhada. Está veio do Paraguai, de uma localidade próxima a Ponta Porã, para morar com o casal naquela localidade. Antes de chegar ao destino, passou três meses na casa dos pais de meu tio. Meu tio contou-me que inclusive ocorreu um namoro entre ele e a cunhada do irmão, com cartas de amor e tudo. Quando ela se afastou, tudo se acabou, segundo me relatou. Em Jaraguari o irmão começou a se envolver com a cunhada, situação insustentável, que provocou intrigas e que foi decisiva no retorno desta para o Paraguai. Tio Argemiro foi “destacado” para acompanha-la, junto com a irmã casada, até o destino.

Meu tio conta que estando naquela localidade, na véspera da viagem de retorno, junto com outros integrantes da família, foram surpreendidos com um enorme rato, que ninguém sabia de onde havia saído. Com muito custo, acuaram o roedor e ao deferir-lhe uma facãozada, torando-o ao meio, meu tio acertou a ponta do seu dedão do pé, provocando um considerado corte. A cicatriz ele tem até hoje. No outro dia, dia do retorno, seu irmão matou a cunhada e se suicidou, logo cedo. Meu tio conta que o rato tinha sido um aviso, pois a carcaça do rato torado com o facão desapareceu misteriosamente. Na viagem de retorno meu tio trouxe os defuntos para serem velados na casa de seus pais.

A outra tragédia, semelhante como disse, ocorreu com sua irmã Ivanir. Ela se casara com Clemente e com ele teve três filhos: Valdemir, Valmir e Claumir. Clemente era pedreiro e fazia um serviço em uma fazenda, onde morava com a esposa e os três filhos, inclusive Claumir era recém-nascido. Ocorreu um desentendimento e posterior separação. Ivanir veio para a cidade e ficou morando na casa de seus pais. Clemente em uma oportunidade de propor reatar o casamento, na casa onde estava Ivanir, ao ver que ela estava irredutível matou-a e se suicidou. Contou-me meu tio que o ocorrido se deveu a um pacto que eles fizeram, o de não viverem separados. Novamente a casa da Saldanha da Gama estava velando seus entes.

Deste último episódio meu tio recebeu os sobrinhos para ajudar na criação, mas só um deles permaneceu com eles até ficar criado. Os outros dois foram criados com uma outra irmã de meu tio.

Claumir casou-se com Monica, filha do seu Nilson Matos e Marilene, nossos vizinhos de vila Planalto e irmão de fé que frequentavam a igrejinha da Aparecida.

Enquanto a reforma não sai no papel, meu tio teve que se virar, pois o soldo não era dos melhores. Minha tia fazia pastel e ele saía pelo bairro a oferecer os quitutes. Teve boa clientela nas obras de construção do conjunto “Lar do trabalhador” da construtora Japurá. Fez manutenção residencial e não enjeitava serviço. Depois virou poceiro, não confunda com posseiro!

01/2019

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