Outro dia entrei para um grupo de Whatsapp. Trata-se do Grupo “Amigos do Nelson Pinheiro”, composto por ex-aluno, ex-professores e ex-diretora dos anos iniciais da Escola Municipal, que fica na Vila Corumbá, em “Big Fild”. Um grupo sem sossego. São duzentas postagens todos os dias. O tema principal é a nostalgia dos anos em que a maioria conviveu na escola.
Vou me fixar em dois personagens contemporâneos: Professor Déo e aluno Nazir. O professor era de Educação Física, o Nazir era um árbitro e nas horas vagas, aluno. Nesta posição os dois recebiam o maior respeito. O Nazir era, e sempre foi, o amigão. Sempre tratava a todos pelo nome. Foi meu vizinho, no tempo em que eu morava na Planalto. Do que me lembro ele morava com sua mãe. O professor, por ser professor, era tão respeitado (naquele tempo), e ai de quem “pisasse na bola”. “Seu viadinho!”, se ouvia dele nestas ocasiões, mas nem por isso, motivo para desavenças. Eu e meus contemporâneos tínhamos a mesma idade e nos misturávamos com os mais velhos. Não me lembro de me envolver com os mais novos. Acho que nós éramos os mais novos.
O nosso esporte favorito era Handebol e depois Volei, atletismo nem tanto. Nós éramos bons em Handebol, com destaque nos jogos da REME, Rede Municipal de Ensino. Eu participei de um campeonato em que ficamos em terceiro lugar, atrás do Baís e do Arlindo Lima. Times cheios de “gatos”, como se tratava os alunos irregulares, os fora da faixa etária.
Nosso time de Handebol, infantil, estava em um campeonato. Se bem me lembro, alguns nomes eram os goleiros Paulo e Cido, na linha Wilson, Vitor, Edson e outros. Eu era pivô. Se algum dos leitores conseguir se lembrar de outros nomes, me informe. Havíamos passado para outra fase e o próximo jogo seria em outro lugar, que não a nossa quadra. No dia do Jogo, um início de tarde, estávamos todos concentrados, aguardando o embarque. Nossa condução era a carroceria de uma C10 verde, do seu Antônio, esposo de nossa digníssima diretora, Maria Helena. Estava faltando o nosso técnico, professor Déo, Dêo para os íntimos, que, depois ficamos sabendo, não iria nos acompanhar. Ele estava doente, com febre alta e dor e inflamação na garganta. Houve motivo para desespero e apreensão. Como iríamos jogar sem o técnico?
Lembro-me de ficar desolado, tomado de uma preocupação, não apenas com o nosso desempenho, mas com a saúde do professor.
O problema do técnico foi resolvido. No lugar do professor, foi escalado, sob recomendações, o Nazir, que foi retirado às pressas de sala de aula, mesmo sob seus protestos, de que perderia as aulas de matemática da professora Iraci. Como a causa era nobre, as contas matemáticas ficariam sem sua soma.
Confesso que nos sentimos aliviados e imediatamente embarcamos na C10, com destino a anular o W.O. O Nazir era o maior e teria o respeito de todos. Alguém se lembra onde seria o jogo?
Lembro-me que no trajeto, passaríamos na Casa do Professor, para que o Nazir receber outras instruções. A rua da casa, fique sabendo depois, era General Melo, próximo à estação ferroviária. O lugar ficou marcado em mim. Acho que todo aluno reconhece isso como uma recompensa, pois como só encontra o professor na escola, saber onde ele morava era um trunfo.
Depois de alguns momentos aguardando na carroceria, sob a lona da capota e daquele sol escaldante, a C10 verde colocou-se em movimento. Enquanto o Nazir passava as instruções, acho que ele lia uma folha de papel com as recomendações. “Quem vai começar jogando…”, “Finalizou o ataque, volta para a barreira!”, “Se roubar a bola, manda para o Vitor, que já vai estar esperando, lá na frente.” E outras que todo técnico sabe de cor. De repente um silêncio tomou a carroceria, pois alguém gritou: Olha o Déo aí gente! Quem pôde encontrar um lugar, para pelo menos enfiar a cabeça, na abertura da rabeira da carroceria, participou daquela foto, onde os soldados, e suas armas, olham para trás do caminhão de combate a caminho de uma batalha.
Muitos não entenderam nada. O carro do professor estava nos seguindo. Em sua companhia estava sua namorada, que a todo tempo falava com ele gesticulando algo como, pelo que se pode entender, que ele desistisse, que parasse o carro, que voltasse para casa e repousasse. Inútil insistência. Ele nos acompanhou.
Chegamos à quadra. Agitação geral da torcida. Barulho para todo lado. Fomos recebidos pelo “Professor Zelão”, que nos perguntou: Então resolveram jogar? Jogar e ganhar, Zelão!
Entramos em quadra e racha começou. O Nazir repassava as instruções, recebidas do afônico amigdalônico professor Déo. A cada bola na rede que nós colocávamos, ele se continha, colocando uma das mãos no pescoço, e com a outra, esmurrava o ar, caminhando de um lado para outro. Ele era amparado por sua fiel companheira. Ela às vezes era contida pela Diretora da escola, a motorista da C10, a torcedora número um do time. Alguém se lembra de ter visto a diretoria na arquibancada, alguma outra vez? O time, naquele momento vangloriava-se por ter dois técnicos.
A dose de endorfina produzida pelo professor, o fez sentir uma leve melhora, O placar dilatou e a febre baixou. Ele pode sussurrar algumas instruções e entre elas: “deixa de ser viadinho,porra!”. Depois do jogo nós retornamos para a escola e o professor deve ter ido par o hospital. O campeonato continuou e novos confrontos sugiram, desta vez, o professor, com a saúde restabelecida, disse que tinha tomado um “chazinho”.
Pedimos um tempo nesse jogo e agora voltamos a ele para relembrar as façanhas dos integrantes da Escola daquele tempo. Um tempo em que o árbitro, ao apitar não apontava o lado, dizia “é nossa!”.