UM SERIAL
Outro dia vi pela TV um fato inusitado. Um repórter conversando, por celular, com o acusado de um crime. O diálogo se desenrolou e eu acho que o criminoso se enrolou, pois tudo o que disse será usado contra ele.
A façanha do repórter foi ter exibido ao vivo a conversa, sem edição. O furo rendeu audiência e a emissora passou a destacá-lo para estas coberturas. Sendo ele um despachado por natureza, guardava seus contatos em sua agenda do celular e ao menor indício de veracidade do fato, ele já teria a versão oficial. Desta feita saiu a notícia de assassinatos de mulheres com características de “serial killer”. A polícia efetuando diligência, prisão de suspeitos, sigilo de justiça para o caso e o repórter destacado. Recebeu a primorosa informação de que um de seus contatos estaria com o suspeito na linha, pronto para prestar declarações. Sua fonte, segura, compartilhou o contato e lhe informou: se não fosse o próprio, saberia quem era! Checadas os pormenores e a emergência do furo eminente, recebe o repórter a informação, da emissora, que estaria no ar em poucos segundos.
¾Nós estamos aqui na periferia da capital onde conseguimos um celular que pode ser do suspeito de estar cometendo uma série de crimes na cidade e isso poderá ajudar a polícia no esclarecimento destes fatos, começou dizendo o repórter, introduzindo a reportagem. A pessoa que nos passou o contato não quer se identificar e, por questão de segurança, nós iremos respeitar. O suspeito mora na capital e por enquanto nós ainda não sabemos onde, mas falaremos com ele pelo celular…
¾Antunes? Esse seria o nome do incriminado. Nóbrega da TV, se apresentou o repórter. O senhor pode falar conosco?
¾Siiiiim, por que não? Não devo nada a ninguém! do que precisa?
¾Algumas informações… nós estamos ao vivo. O senhor me ouve bem? Continuou o repórter.
¾Bisolutamente!
¾O que o senhor faz é por encomenda?
¾Sempre! Não tem de outra forma, senão desperdiça tempo, e eu vivo disso.
¾E o senhor tem muitas encomendas? Perguntou em tom irônico o sério repórter.
¾Ultimamente sim. Tem uns tempos, que o movimento fica fraco, ai eu não fico por aqui, sempre arrumo uns bico fora.
¾O negócio do senhor é na faca?
¾Sempre! Eu sou das antigas, não me acostumei trabalhar com máquina. Eu acho que sou mais habilidoso com as mãos, não sei se o senhor deu para me entender? A coisa é mais certeira.
¾O senhor já fez as contas de quantos serviços já executou?
¾Eu trabalho por conta, esse negócio de serviço prende muito a gente, não sei te dizer não, acho que perdi as contas.
¾E o preço?
¾Se for uma porca é um, para uma galinha é outro. Para uma vaca é que eu cobro mais. Disse o incriminado meio enigmático. Serviço limpo, o patrão só aparece quando eu entrego a encomenda.
¾Essa distinção o senhor faz na hora da execução?
¾Com certeza! Não tem como confundir. Se o sujeito não sabe diferenciar uma galinha de uma porca ou de uma vaca, vai se assustar com o berreiro. Há há há há há há há. Respondeu o tal do Antunes já bem à vontade.
¾Então Antunes, o senhor é um assassino confesso? Quis saber logo o repórter.
¾Assassino não! Eu nunca matei um pai de família ou um trabalhador. O que eu mato que anda com dois pés, é galinha, que eu mesmo seleciono lá em Terenos, as outras, todas andam de quatro pés.
¾Então o senhor não mata gente?
¾De jeito manera! Meu serviço é de carneador. Eu sou açougueiro, quem lhe deu meu contato sabe disso.
¾Então está bem Antunes, eu vou precisar desligar neste momento, logo mais a gente se fala.
¾Mas do que é que o senhor precisa? Perguntou Antunes, se colocando à disposição, oferecendo seus préstimos.
¾No momento de nada, fico agradecido pela atenção, disse o repórter encurtando a conversa e desligando a ligação.
Tu – tu – tu – tu – tu – tu, foi o sinal emitido pelas TV´s do mundo inteiro que estavam sintonizadas na emissora, assim que o repórter desligou.
Como a especialidade do repórter era ir ao ar ao vivo, o diálogo caiu na rede. Assim que desligou a chamada foi reclamar com a “fonte segura”.
¾Antunes é um açougueiro!
¾Com certeza, lhe garantiu a “fonte”. O estrago foi grande, emendou descrevendo as qualidades do indicado ao prêmio de encarcerado.
¾Ele não é o suspeito procurado!
¾Suspeito não: é o próprio!
¾Não! O celular que você me forneceu só pode ser de outra pessoa, não de um criminoso, disse o repórter em tom de desapontamento.
¾Como não? Deixa-me ver aqui… iiiiii passei o número errado. É que falei recentemente com seu Antunes sobre uma leitoa. Com mil perdões, Desculpa! Se precisar ainda tenho o número do verdadeiro.
O repórter achou melhor só a polícia ficar no caso.
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