A FEDEGOSA

A FEDEGOSA

Estava eu em minha sina de trabalhador madrugador, quando ao me preparar para o batente, constatei pelo App PagFacil que o 409 ainda custaria alguns segundos para passar e ainda daria tempo para mais uma xicarazinha de um delicioso cafezinho e que desta vez faria companhia para o Átila servido pela Marcinha. Eles lá dentro da TV e eu por aqui, até que o 409 desse o ar da graça. A patroa aprontava as crianças para a escola e com mais alguns retoques, em frente ao espelho, também estaria pronta. Eu, em frente à TV, assistia ao “Bom Dia MS” debulhar as notícias policiais da madrugada, inclusive com o Nóbrega conversando, por celular, com um agressor, que declarou que mataria o resto do mundo. Também via os jogos da Copa Morena e mais um campeonato estadual conquistado pelo Glorioso Esporte Clube Comercial. Ao mesmo tempo dei uma olhadela no visor do celular e vi que minha hora tinha chegado, mas ao me levantar do sofá tive a agradável surpresa de receber em minha humilde residência, com sua bandeja em mãos, a Marcinha e seu olhar penetrante. Ela adentrou a sala e em um passe de mágica, sem nem mesmo eu pedir me serviu, em uma xícara logativada do Bom Dia MS, uma dose do seu famoso café das seis. Fora de qualquer intensão, minhas mãos tocaram levemente as suas, me deixando extasiado com tamanha emoção. Eu que sempre sonhei estar ao vivo sorvendo a encantadora poção mágica que anima e sustenta o dia de todo bom brasileiro. Ao primeiro gole estranhei o sabor, mas como ela continuava me fitando meigamente, dei logo a segunda golada. Esta me desceu a goela ardendo. Não seria possível, como o Átila não demonstrava nenhuma sensação repugnante? Pensei comigo: só deve ser coisa de gente chique, que gosta do refinado.

– Fedegoso?
– Sim! Respondeu-me Marcinha com uma voz alterada que me pareceu familiar.
– Coloca casaco! Recomendou-me um tanto quanto enérgica.
É claro que não tinha me atentado para o fato. Às vezes fico tão imerso em meus pensamentos, viajando para o dia em que estaria no “papo das seis” que nem presto atenção em previsão do tempo. Neste dia eu falaria, para o Átila, sobre o meu trabalho, como eu construí a carreira, o que eu faço para dar conta das contas etc. E ainda tomaria um cafezinho lá nos estúdios ou quiçá, ao vivo, servido logicamente por ela. E hoje o inusitado me acontece: Ela aqui em minha casa! Ela não devia estar no ar?
– Já doou sangue este mês? Perguntei a ela procurando me aproximar daquela imperativa voz me mandando colocar casaco.
– Não, estou tomando remédio, cê sabe! Ou eu teria entendido: Não estou tomando remédio, cê sabe! Com aquele tom de voz um pouco acima do 10.
Para completar a cena, Marcinha me chutou a canela, bem onde sempre a patroa me acerta. Coincidência!
– Ôh relaxado. O 409 já vai encostar. Vai doar seu sangue vai. Tem um boleto para hoje tá!
Dei um salto assustado do sofá, me enrosquei na mochila e parti para as bandas da Duque de Caxias. O 409 já tinha passado, restava o 414. Que vacilo, cochilei e quase meu cachimbo cai. Quem diria: a Marcinha em minha casa. Só em sonho.
P.S. O chá de fedegoso eu tomo (às vezes me esqueço, mas a patroa não) todos os dias para ver se abaixa meu colesterol e o sangue… virá com o choro!

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