O Balancete
A comunidade recebera o novo padre de braços abertos. Em seis anos de existência, a paróquia recebia o sexto vigário. É comum que os vigários se tornem patrimônio das paróquias, pois nelas permanecem “ad eternum”. O que haveria de extraordinário naquele lugar? Pergunta que serviu de desavio ao destemido jovem servo de Deus, um cabra arretado, como se designava os oriundos de sua terra.
Depois de reconhecido o terreno, de visitar as comunidades e de conhecer as pastorais ativas, quis o novo vigário apresentar-se como ativo servidor da messe, vulgarmente chamado de “vassoura nova”, entre os recônditos fiéis.
Ao final do primeiro mês à frente da paróquia, celebrando e se desdobrando no atendimento aos paroquianos, convidando moradores inativos, e obtendo deles a certeza de retornos às atividades sagradas, o vigário finalizaria as atividades com o relatório contabilista compatível da realidade encontrada.
Somadas as receitas e subtraídas as despesas, apresentaria o primeiro, e por que não dizer histórico, balancete de seu primeiro mês de gestão. Editado em arquivo do Word, com timbre paroquial e diocesano, títulos de tabelas e referenciais organizacionais, editado em tamanho A4, seguindo normas da ABNT, inclusive com cópia guardada no Google driver. O dito cujo seria lido ao final da missa do domingo na Matriz, que agora estaria em novo horário, o das dez. Leitura executada pelo presidente do Conselho paroquial, para maior veracidade dos fatos.
Às vésperas, a secretaria funcionando até às onze, o docx seria impresso e as folhas anexadas à pasta de avisos do final da missa, com cópias para exposição, fixadas no mural junto à entrada da igreja.
Executados os comandos, e surgimento dos sinais luminosos reluzentes, acompanhado dos típicos sons de engrenagens, e fumaça (segundo consta nos autos) que anunciavam a tão esperada impressão satisfatória, desliza o papel oriundo da bandeja carregada. Surge então o esperado balancete impresso, que para desapontamento do vigário, era constituído de ilegíveis formas impressas monocromáticas.
-Que papel é este? Teria perguntado o vigário ao sacristão, incrédulo ao ver o docx saindo ainda aquecido das entranhas da máquina. Este risco na folha não faz parte do balancete! Vamos ter que reimprimir, e rápido! Hoje irei almoçar na casa de uma paroquiana, e já estou atrasado.
A CPU tinha como periférica “plug and play” uma Hp, e não os inimigos dela, Laserjet, carregada com toner original mono, e não dos compatíveis, segundo constava na NF, reposta a questão de no máximo uns quarenta dias.
Mesmo depois de nova tentativa de reimpressão, o risco nas folhas persistia. Foi preciso uma reconfiguração na impressora preferencial, sem êxito na impressão da página de teste. O fato transpareceu um azar de novato.
-Nós sempre imprimimos os papéis da paróquia nesta impressora, e nunca aconteceu dela perder a qualidade, nem nunca ter se negado a imprimir. Semana passada distribuímos comunicado da catequese sem problemas! Teria dito o sacristão, se desculpando pela não execução da tarefa.
-Vou ligar pro seu Raul! Ele resolve, resolveu o sacristão já com o celular apertado à orelha pelo ombro.
Seu Raul muito pacientemente, instruiu remotamente o sacristão para os procedimentos já adotados.
-Já reiniciei! Já reinstalei! Já enviei nova impressão…
Seu Raul teria pensado em recomendar uma Ave Maria e um pai-nosso, mas achou melhor não. Guardaria para uma eventual “perda total”, Proagro, como diria no seu tempo.
-Abre a tampa, retire o toner, dê uma chacoalhada e depois reponha, se isso não resolver, só outro! Teria dito o remoto Raul, que a estas alturas já estaria dobrando a Pinto D’água, estacionando na frente da secretaria.
Seguindo as instruções, o sacristão se pôs a executar a tarefa. Tão logo abriu a tampa do compartimento do toner, teve uma surpresa.
-Meu Deus! Teria dito o incrédulo, que na presença do novo vigário, nem precisou lhe descrever o infortúnio, ele estava ali para ao vivo fazer o teste de são Tomé, ver e crêr no inusitado.
-Formigas!
As minúsculas térmitas resolveram invadir o compartimento do toner e se alojar no buraco de saída da tinta. O que as atraíram a este improvável ponto para formigueiro?
Sem tempo para respostas, o sacristão transferiu o arquivo em um pen driver, e se encaminhou à “Lan House” da Júlio, a toda velocidade, visto o avançado horário. Lá o arquivo foi aberto e desconfigurado. Que azar!
-Tem o PDF? Lhe perguntou o atendente.
-Não só esse e pelo jeito parece um F.., se segurou o sacristão.
Seu Raul já se encontrava na secretaria, digo, na parte de fora da mesma, com o formigueiro, digo, toner em mãos, digo, jogado no gramado, digo, na braquiária baixa da frente da secretaria, tentando espantar as invasoras, digo, aquelas filhas de uma …
-Nunca vi uma coisa dessas, nem em Anhandui, lá formiga ataca açucareiro, teria dito o incrédulo vigário. Seria está uma das particularidades da paróquia, além dos seis padres, formiga na impressora? Toca “SBP” que mata tudo, teria ordenado o servo de Deus, gesticulando como se estivesse com uma garrafinha de água benta.
-Já tocamos, disse seu Raul. Elas estão sempre na área, mas na impressora é a primeira vez. O Senhor tem óleo de Crisma? Teria tido uma ideia.
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