ARTE DE SOBRA

Faço arte com objetos oriundos de coleta seletiva. São coisas cujo destino seria, com sorte, destinado à reciclagem, pequena parte, mas que a maioria seria depositada e abandonada nos lixões.

Busco, através desta arte, valorizar a beleza contida em cada objeto, que mesmo depois de seu uso, ainda contém alguma utilidade, se lhe derem oportunidade.

Trago um pé de sandália visivelmente destruída e sem mais serventia, e por isso descartada à beira de um caminho. Os pés, quem sabe, seguiram até onde não sei ou se tiveram o mesmo destino. Quem sabe onde os passos o levaram? mas a única verdade é que uma sandália não seguiu, separou-se de seu par. O que restou desgastado, foram marcas de uma luta travada. Achei-a e quis lhe apresentar o mérito de suas marcas. Este objeto se prestou muito bem ao serviço.

O que dizer do que restou de uma parte do que um dia foi um ventilador, senão a beleza radiante. Quem diria que ele nasceu ao enfeite e não ao vento.

O pedal de bicicleta que não oferece mais a facilidade de ir longe. Ficou jogado, olhando o distanciamento dos pés, sabendo que foi substituído.

O que são as coisas se a utilidade não disser? E o que são as utilidades se não os destinos pré-definidos por vontade alheia.

Como deve ser difícil calçar os pés e ofuscar a beleza da forma, tudo em razão da utilidade. Assim existem pessoas ofuscadas.

E o que fazer com estes descartados senão lhes proporcionar a honra da contemplação, como gratidão.

Por isso o nome “arte de sobra”. Mesmo subentendendo que existe arte do que sobrou, existe arte de sobra nas coisas que sobraram.
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