Argemiro não sonda
Domingo no finzinho da tarde, passei um Whats para Arlene, minha prima. Seria possível uma visita? Como não? Estamos sempre em casa, teria me respondido. Só saem para o médico, poderia ir sempre que pudesse.
Comecei escrevendo sobre os “causos” do Tio, quando das últimas visitas. Ao entrar fui logo avisando que a visita seria breve, mas suficiente. Estava acompanhado de minha malinha com caderno, para anotar algum detalhe, já que não confio na minha memória.
Enquanto aguardava, fiquei observando os quadros expostos na sala. Fotos do grupo musical “Os canarinhos” na TV Campo Grande, no programa do Ramão Achucarro, em “1977”. Comentei com meu tio que a data seria outra, pois a TV foi inaugurada em 1981. Nessa época o programa enfrentava uma concorrência desleal da fórmula 1, no tempo em que fazia-se torcida para o Piquet e para o Sena, contava-me seu Cícero Cabral, do despachante São Pedro, que era jurado do programa do Ramão.
Contei, ao meu tio, que também estive no Rádio, na quarta-feira daquela semana. Fui na Rádio Educativa, no programa “Sons da Literatura”, da apresentadora Lucinéia Ramos. Ela me disse que o programa retornaria, depois as férias, com duas horas de duração, do meio dia às 14, mas “voltaram atrás” e foi até às 13. Falei para a Lucinéia que havia divulgado duas horas e que ela teria que me desmentir, inclusive para a Mylle Sena, com quem estive na véspera, no Seminário na Faculdade Novoeste em que me encontrei também com Elias Borges, Leonardo Triandópolis e os Henrique Medeiros e Pimenta.
De volta à casa do tio, comentamos sobre as tragédias ocorridas na semana, da chuvarada que caiu no sábado e das enxurradas. Contei-lhe que com esta chuvarada lá em casa apareceu uns seis escorpiões e que estávamos com medo de ser picado. Meu tio já foi picado, mas como é repleto de conhecimento sobre remédio caseiro, foi uma picadinha à toa. Seu conhecimento é tamanho, que até para pneumonia ele tem um “tiro e queda”. Usou, e sempre usa, alcanfora. Tem sempre uns tabletes em casa. O chá daquilo cicatriza o pulmão afetado, depois é só tomar um expectorante, que em poucos dias está curado. Alcanfora misturada com a casca branca ralada da mandioca é usada para pneumonias mais graves, basta usar na forma de emplastos, tomando junto o chá. Comentei que o Bolsonaro estava doente e quem sabe, se os remédios não dessem jeito nós enviaríamos uma mensagem em sua rede social, exaltando as propriedades da alcanfora.
Meu tio, Seu Argemiro, estava com feição boa, havia tirado a sonda uretral, que usava a seis meses. Sentia dor ao urinar, mas o doutor avisou que logo passaria. Sua próstata estava boa, não tinha câncer, tranquilizou-o o doutor. Periodicamente tinha que ir ao UBS do Cerradinho fazer a troca da sonda.
Confirmei com ele sobre o verdadeiro endereço dele quando morava na Planalto. A rua Ipiranga mudou de nome. Ela nascia na Saldanha da Gama e morria na Júlio. Hoje tem outro nome, inclusive a Ipiranga virou a transversal ao que era antes. O terreno em que seu pai morava, foi comprado do seu Armando de Oliveira, o dono do sobradinho e do mercadinho que funcionava na esquina onde a família comprava na caderneta. Contou também sobre uns forasteiros, montados à cavalo, que surgiram não sei de onde e foram tumultuar a festa de casamento de sua irmã Denir. Os forasteiros foram recebidos à bala, mas para o alto, o que assustou os cavalos e alguns deles tiveram que fugir à pés, em direção ao Santo Amaro. Ele e os irmãos caíram na gargalhada.
Meu tio gosta de contar suas histórias na Polícia. Quando fazia patrulha, a mando do delegado, um tenente do quartel. Saiam em dupla e seguiam pela Bandeirantes até lá perto do Comercial e de lá voltavam. Saiam cedo e retornavam no fim da tarde. Se ocorresse uma prisão, eles teriam que voltar à delegacia, que ficava na frente do Clube União, para entregar o preso e voltar para continuar a patrulha. As prisões eram restritas a casos graves, pois a mão de obra que dava nestas idas e vindas, deixavam, à vontade, os policiais para classificarem os casos de encaminhamento para a delegacia. Como andavam armados, os bandidos respeitavam. O comando “Mãos para o alto” era ordem cumprida. Naquele tempo nada de algemas, era mão na cabeça caminhando três passos à frente, e no seu encalço o mosquetão engatilhado, qualquer deslize, saia um pipoco. Eles também usavam a Lurdinha, a “piripipi”. Certa vez o delegado incumbiu-o de fazer a prisão de um valentão que estava quebrando tudo em um hotel onde se hospedara com a mulher. Ocorreu uma discussão entre o casal que se estendeu para fora do quarto, o que motivou a chamada da polícia. Depois que o valentão foi acalmado, foi levado ao delegado, de charrete.
Depois que ele retornou da licença médica de dois anos, mesmo com uma bala alojada na coluna, continuou exercendo as atividades que antes fazia. Rendia preso na porta da cadeia e acompanhava, sem algemas e à pés, até a defensoria. A cadeia ficava na 25 de dezembro e a defensoria perto da estação. Nunca apresentou serviço com alteração. Ia e voltava com o preso mais o mosquetão engatilhado.
Quando esteve em São Paulo, para acompanhar seu pai em tratamento médico, chegou à cidade de Caçapava. Onde em um circo quis alisar um tigre. Feito mal logrado a tempo pelo tratador dos animais. Em Campo Grande já tinha acertado a anca de um leão com um tapa. Foi no circo instalado próximo ao Colégio Estadual. Este circo é o primeiro que tenho lembrança. Assisti a encenação de Chapeuzinho Vermelho e também tomei, pela primeira vez, Coca Cola.
Sobre sua ida a Caçapava, ele me contou que foram visitar uns parentes, depois que seu pai realizou os exames, mas resolveu não esperar para ser internado. Viria para Campo Grande onde, com exames na mão, buscaria atendimento. No circo não precisou pagar ingresso, por tinha uma credencial da polícia, emitida pelo comandante daqui e que protocolou assim que chegou a São Paulo.
Despedi-me do seu Argemiro e de volta para casa, passo por um aglomerado de pessoas, carros parados e um corpo estendido e coberto no asfalto da Duque. Depois fiquei sabendo que se tratava de um motoqueiro que morreu ao colidir com um caminhão. 02/2019
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